Equipe da Educação Infantil (*)
É preciso escrever para transbordar…
Faz duas semanas que as aulas presenciais vêm retornando aos poucos, após um longo período de reclusão e distanciamento, e de interações somente através do ambiente virtual. Muitas receitas para esse retorno nos foram trazidas, incluindo protocolos bastante necessários, ideias, caminhos já seguidos por outras escolas. E foi importante nos apropriarmos de todas para construirmos a nossa própria receita, capaz de matar a nossa fome e a das nossas crianças. Quanta expectativa, quanta ansiedade para esse retorno e também quantos medos. O frio na barriga tomou conta de todos(as) nós.
Gostaríamos de falar sobre um retorno às aulas, após uma pandemia que tivesse ficado no passado, ou sobre um início de ano, sem que ela houvesse existido, mas nos deparamos com a realidade. Se antes fizemos de nossas casas refúgios, agora, após o retorno, foi necessário fazer de nossa escola também nosso refúgio. Por isso nós, enquanto comunidade escolar, nos preparamos, conversamos e planejamos. E, assim, a nossa fome… Ah, a nossa fome está sendo lindamente satisfeita. Do mesmo jeito que a nossa receita vai sendo incrementada, trazendo, além dos protocolos de proteção, um olhar consciente e atento para o acolhimento das necessidades de cada grupo em suas particularidades, possibilitando que a fome das crianças também seja saciada, e com gostinho de picolé de morango.
As portas da escola se abriram novamente e as crianças, o ingrediente principal, foram habitando outra vez seu espaço de direito, e de dever. Pensamos no quanto aquelas vozes e corpos presentes nos diferentes espaços escolares trouxeram esperança para nós, adultos, que, junto com eles, compomos a escola.
Todos(as) nós voltamos famintos. Enquanto estivemos somente no ambiente virtual, foi possível nos alimentarmos de pratos cuidadosamente preparados, mas sabíamos que aquelas pequenas porções se distanciavam muito do que é poder se servir na escola. Poder escolher as próprias porções e dentre tantos alimentos.
O reencontro foi emocionante, com um misto de sentimentos… A espera para compreender como cada criança desejava esse primeiro contato, apesar de durar apenas alguns segundos, parecia uma eternidade. Várias chegaram dando corridinhas nas pontas dos pés, parecendo tentar diminuir a distância física de sua professora e, concomitantemente, querer aproveitar o tempo desse momento.
As crianças chegaram abrindo as caixas de brinquedos: tocando, mexendo e deixando em qualquer lugar, para logo abrir outra. As salas ficaram com jogos e brinquedos espalhados e, nesse momento, estarem fora da caixa nos parecia fazer mais sentido. Explorar muitos brinquedos e materiais ao mesmo tempo parecia necessário para as crianças sentirem pulsar o espaço da escola novamente.
Olhares atentos para observar o que mudou e o que não mudou. Pareciam buscar na memória os registros anteriores e comparar. Pias novas! Professoras e colegas usando máscaras! O brinquedão continua o mesmo, mas as crianças que sobem e descem estão diferentes. Será que cresceram!? Algumas iam exclamando: “Eu fiz 3 anos!”, “Agora, eu tenho 4 anos e 4 meses”, “Eu já sei me embalar sozinha no balanço”.
Correram e observaram muito! Entre uma corrida e outra, diminuíam a pressa em algumas situações, parecendo cuidar para não passar muito rápido por espaços tão valiosos. Aparentemente, não queriam perder aquele “gostinho bom” de volta às aulas. Olharam! E como olharam! Correram sem rumo, riram sem limite e falaram sem moderação… Embalaram-se um pouco em cada balanço, e cada vez mais alto. Subiram muitas vezes no brinquedão, verificaram as plantas da horta, pintaram na parede de azulejos. Mas o estar ao vivo com o outro, ter a certeza do olhar correspondido e até ralar o joelho no chão, que já foi testemunha de tantas histórias semelhantes, parecia o mais valioso. E a dor nem se fez presente.
Todas chegaram com muito para contar, com assuntos guardados, com perguntas e comentários que só na escola fazem sentido. E, mesmo sem poder compartilhar o lanche real, as crianças nos serviram um banquete.
Frases ditas pelos alunos e alunas foram compartilhadas rapidamente entre as professoras e, em meio a risadas e olhos marejados, tivemos a certeza de que elas sempre vão nos ensinar.
O reencontro com os(as) colegas! Ai, que momento especial! Difícil resistir a um abraço apertado. Às vezes, impossível. Novas maneiras de se cumprimentar são inventadas, abraços e beijos distantes em meio a sorrisos e risadas. Se antes olhávamos os lábios ao observar o sorriso alheio, agora o olhar é que sorri.
Ao mesmo tempo que foi lindo ver a saudade se materializando, também foi doido perceber que a construção do tempo durante a pandemia parece ter se alterado, e as afirmações “até daqui a pouco” ou “logo em seguida”, agora trazem um outro sentido, nos remetem a uma espera imensurável.
Avisar que estava no momento de ir embora parecia como estarmos tirando o prato de refeição ainda por comer, ou tirando o sorvete, quando ainda tinham dado apenas algumas lambidas. Aviso que foi respondido com diversas expressões, corporais ou verbais, como se não houvessem explorado quase nada ou como se quisessem fazer tudo novamente. Somente após a professora afirmar que haveria outro dia como aquele, que estaria lhes esperando novamente, junto com o grupo de colegas, as crianças foram aceitando ir embora. No fundo, nós, adultos, sabemos que existe o risco dessa promessa não se concretizar e, consequentemente, as crianças também. Mas elas nos acolhem e nos mostram que apostar nos nossos desejos é o melhor caminho para administrarmos nosso dia a dia. E, quando questionadas sobre o momento em que estiveram na escola, diversas frases incríveis foram ditas. Uma delas fica aqui registrada: “Foi lindo!”.
(*) Texto escrito em uma experiência de produção coletiva, a partir das vivências nos reencontros deste retorno à escola física. As escribas foram Andréa Paim (coordenadora), Ana Julia Poersch (Grupo 4), Iasmim Moraes (Grupo 3A) e Taynara Bairros (Grupo 2), as quais tiveram a colaboração de relatos orais de Bruna Silveira (Grupo 5) e Nathalia Maffei (Grupo 3B).