Deborah Vier Fischer
Somos uma escola pequena. Sim, “pequena em tamanho, grande em ensino e afeto”, como diz o hino da escola Projeto. Mas o fato de sermos pequena em tamanho, por atendermos alunos(as) da Educação Infantil até o Ensino Fundamental I, 5º ano, não nos faz menores em relação ao tamanho de nossas vontades, desejos e possibilidades. Pelo contrário, acho até que ousamos mais, vamos mais longe na busca por pensar com nossos alunos e alunas outros modos da escola estar em suas vidas e de produzirem com ela outras travessias.
Um desses modos tem a ver com a presença sempre ativa e dinâmica do Grêmio Estudantil no espaço escolar. O Grêmio da Projeto, como é conhecido internamente, existe desde o ano 2000, e tem como objetivo promover a integração entre as crianças da escola, envolvendo suas duas unidades, através de ações propostas por elas mesmas, numa relação de pertencimento a um espaço que as ouve e que acolhe grande parte de suas proposições.
Com a diretoria composta por grupos de alunos(as) do 5º ano, série com as crianças mais “velhas”da escola, o Grêmio é acompanhado mais de perto pela coordenadora pedagógica dessa série e pela(s) sua(s) professora(s) regente(s). O Grêmio tem sua formação inicial no 1º trimestre do ano, a partir de encontros para conversar sobre a proposta, a essa altura, já muito aguardada pelas crianças, de maneira geral, pois se configura como uma das “marcas” da série.
Nesses encontros iniciais, há espaço para lembrar as ações do Grêmio em anos anteriores e há explorações sobre o estatuto, com um tempo bem expandido para comentários, esclarecimento de dúvidas e anotações. Depois, chega o momento de conhecer o interesse ou não de participação das crianças na proposta, para a qual são apenas convidadas. Não há obrigatoriedade em fazerem parte de alguma diretoria, mas as que se interessarem passam a assumir um compromisso com a escola e com a turma, o que envolve a disponibilidade em frequentar reuniões eventuais, no turno de aula ou em turno alternado, para planejar as propostas, preparar materiais e realizá-las.
A seguir, apresentam aos colegas a função que desejam ocupar. Constam no estatuto alguns cargos fixos (presidente, vice-presidente, secretário) e outros abertos à criatividade das crianças, os quais costumamos chamar de diretorias. A cada ano, surgem novas diretorias, como a diretoria de Quadrinhos – responsável por promover indicações de leituras e oficina de criação de HQs -, a diretoria de Educação Ambiental – preocupada em conscientizar a comunidade, divulgando notícias relacionadas, oferecendo oficinas de plantio e momentos de preparo e degustação de lanches saudáveis – e a diretoria de Preservação aos Animais, que investiu no contato com ONGs e clínicas veterinárias voltadas aos animais que são vítimas de maus-tratos.
E, a partir daí, formam-se as chapas, o que exige importantes negociações entre as crianças, sempre acompanhadas de perto, ou mais de longe, conforme o caso, pela(s) professora(s) e/ou coordenadora, que intervém ajudando para que todos(as) consigam encontrar o seu espaço de atuação e sintam-se confortáveis com a escolha, tendo em vista que será seu assunto de investimento e “trabalho” durante um trimestre.
Com as chapas montadas (têm sido 3 ou 4 chapas a cada ano), começam os preparativos para a escolha do nome e o registro de propostas para o tempo de atuação de cada uma delas, que é de um trimestre, e logo há o momento de eleição, em que apenas duas delas saem vencedoras e compõem as diretorias do Grêmio Estudantil: uma para o 2º trimestre e outra para o 3º. Costumam ser três as propostas efetivamente executadas e que envolvem mais tempo de elaboração e planejamento: uma dirigida às crianças da Unidade 1 (Educação Infantil), uma para a Unidade 2 (Infantil e Ensino Fundamental) e uma ação solidária, em geral, para com alguma instituição carente, a critério da diretoria.
Antes da eleição, propriamente dita, há a campanha, que dura em torno de uma semana e para a qual acontece toda uma preparação. A partir de informações sobre outros tipos de campanhas eleitorais e do estatuto, vai sendo estabelecido “o que pode e o que não pode” durante esse período, procurando garantir o respeito entre os(as) alunos(as) às diferentes opiniões. Assim, com materiais de divulgação, como adesivos, bandeiras e cartazes produzidos pelas crianças, as chapas passam de sala em sala, circulam pelos espaços da escola e apresentam suas propostas. Tudo num clima de fazer inveja a muitos políticos, num belo exemplo de vivência da tão falada democracia. E, no esperado e agendado dia da eleição, uma urna passa nas salas para os eleitores depositarem suas cédulas preenchidas com a sua opção de voto. Cada um assina seu nome em uma folha, certificando a sua participação no “evento”.
Dentre as atividades já realizadas pelo Grêmio Estudantil, destacamos: festa do pijama com bichinhos de pelúcia, gincana, oficina de culinária e construção de fantasias de sucata na U1. Festa do Karaokê, show de talentos, festa do horror, oficinas de esportes e brincadeiras motoras, oficinas de modelagem e desenhos, oficina de plantio e concurso literário na U2. Contação de histórias no Asilo Padre Cacique, oficinas de brincadeiras e de artes na creche Nª Sra de Fátima, visita e doação de brinquedos e livros à sede do Instituto do Câncer Infantil, encontro, conversa e doação de brinquedos às crianças internadas no HPS/setor de queimados, e de roupas, brinquedos e livros à comunidade indígena guarani, em São Miguel das Missões. Uma outra ação do Grêmio muito significativa dentro da escola aconteceu no ano de 2006, quando houve a organização da rádio da Projeto, espaço para as crianças ouvirem música durante o recreio, com programação criada e executada por elas. Para viabilizar a ideia era necessário adquirir um determinado aparelho de som. A diretoria da época, então, fez uma campanha interna de venda de livros usados e conseguiu, com o dinheiro arrecadado e mais uma ajuda da escola, inaugurar a rádio, que foi sucesso de audiência.
Considero esse trabalho como uma possibilidade para pensar e viver a alteridade na escola. Acreditando muito na força dessa instituição, penso que o Grêmio Estudantil pode ser um dos modos de engajar nossos(as) jovens na escola, oportunizando que suas ideias e iniciativas sejam valorizadas e colocadas em prática.
E, para isso, não precisa muito mais que vontade e disponibilidade – que a gurizada tem de sobra -, e parceria dos(as) professores(as), espaço de escuta e pensamento liberado para que as ideias fluam e ganhem asas. Seguramente, todos(as) nós aprendemos muito com essa vivência, sobretudo, se estivermos com os olhos, os ouvidos e o coração abertos para receber o que vem do outro e para produzir algo coletivamente.
Com o Grêmio da Projeto – a pequena escola que se torna grande porque cresce ao estar na companhia de seus alunos e alunas de 10-11 anos, pensando com eles(as) sobre outros modos de ser escola -, aprendemos a ouvir o que as crianças têm a dizer e vivemos o exercício de tornar mais democráticas as relações, na medida em que valorizamos opiniões e ideias diferentes. Aprendemos, por fim, que vale muito à pena seguir inventando caminhos na educação, realizando outras travessias e conhecendo, com as crianças, novas possibilidades de diretorias, novas instituições a serem visitadas e novas formas de se divertir na escola.