Deborah Vier Fischer (2)
Neste ano de 2023 convidamos um artista indígena, um mestiço, como ele costuma se apresentar, para ser o nosso artista visual estudado. Xadalu Tupã Jekupé nos honrou com a oportunidade de conhecer mais de perto a sua obra e, mais do que isso, o seu modo de ver e de compreender o mundo. Desde o primeiro contato com ele, foi possível perceber que este estudo seria diferente, que teríamos de lançar mão de algumas certezas, dando espaço aos nossos não saberes.
Aprendemos com Xadalu que o produto de seu trabalho com arte é resultado de muita reflexão, observação atenta e uma profunda relação com outro tipo de tempo, que não necessariamente o tempo Chronos – que tanto nos prende e nos define -, mas o tempo do acontecimento, do cosmos, da narrativa oral, do respeito às histórias contadas e cultivadas pelos seus antepassados. Tempo! Palavra de ordem para o estudo deste artista. Deixar-se levar pela imaginação, narrar os momentos de produção, realizar registros dos encontros com as palavras e com as ideias, voltar a elas uma e tantas vezes. Um exercício de atenção, de cuidado, de espera, em tempos corridos, instantâneos, rasos, por vezes. Aprendemos sobre formas de respeito às culturas e suas crenças e fomos convocados(as) a refletir sobre a situação atual das comunidades indígenas em nossa cidade, estado, país.
A exposição Antes que se acabe – territórios flutuantes, que aconteceu na Fundação Iberê Camargo, no ano de 2022, foi um dos pontos de partida para o estudo de sua obra. Com ela, fomos chamados(as) a um olhar mais atento para a necessidade de dar visibilidade à causa indígena, em um movimento de força e vontade de mudança. E esse movimento aconteceu, de alguma forma, dentro da escola e de cada um(a) de nós. Fomos à rua, colamos lambes nas paredes e nos muros, vivenciamos a força da arte urbana, que se deseja acessível a todos e todas. Estudamos sobre a fauna guarani, mas olhamos também para a fauna que habita as portas da nossa escola, que vive no Arroio Dilúvio, e que muitas vezes não percebemos. Criamos o nosso estudo da Fauna da Dilúvio, com inspiração no alerta do artista a essa questão. Construímos florestas inventadas dentro da escola, linha de tempo desconstruída, que termina com uma grande interrogação, ao chegar na questão que nos assola neste momento, relacionada à votação do temível marco temporal. E agora? – perguntam as crianças. E agora? – respondem os adultos.
Aprendemos sobre mitologia, sobre lendas indígenas, sobre cosmologia. Entendemos tanto mais sobre o nosso mundo, aproximando-nos dos ensinamentos da cultura dos povos originários. Xadalu trouxe desacomodação aos nossos pensamentos, trouxe para dentro da escola o Território Indígena, seja na figura cativante do indiozinho, marca inconfundível de sua produção, seja no alerta de que o lugar onde pisamos e vivemos foi, é e seguirá sendo área indígena.
Como forma de deixar registrada a passagem deste artista em nossa escola, com o seu potencial de formação e transformação, não poderíamos deixar de dizer HÁ EVETE VAI PA ou MUITO OBRIGADO: pela existência do artista mestiço, Xadalu Tupã Jukupé, que, com sua força e inventividade, tem levado a arte contemporânea e indígena e gaúcha e urbana para diversos lugares do Brasil e do mundo, chamando a atenção para a urgência do não apagamento da presença indígena da história do nosso Brasil e para o respeito à mãe Terra, às nossas memórias, à nossa participação na manutenção do planeta.
Em tempos de retomadas territoriais e da presença indígena ganhando visibilidade em espaços sociais, culturais e políticos, sem esquecer das tantas situações que assolam os povos originários, entre disputas de terras e massacres de toda a ordem, este estudo traz força e muita vontade de fazer diferente, de fazer a mudança acontecer em cada um(a) de nós. E com isso, quem sabe, colaborar para mudanças maiores acontecerem, atingindo mais pessoas e mais espaços, de educação, em especial. Isso tudo para que não esqueçamos que a escola também é Área Indígena, ontem, hoje e sempre… E, se depender das gentes da Projeto, será cada vez mais! (3)
(1) Frase escrita em um dos bancos da Projeto, deixada de lembrança, por ocasião da vinda de um grupo de representantes da aldeia Anhetenguá, comunidade Mbyá-guarani, à escola, no dia 21 de maio deste ano.
(2) Coordenadora Pedagógica da Escola Projeto, Doutora em Educação pela UFRGS.
(3) Excertos do texto da Mostra de Artes Visuais, ocorrida na escola, com a presença do artista Xadalu, no sábado letivo e multicultural, dia 30 de setembro de 2023.