Rubem Penz
– Espera, filha, vou passar o Hipoglipo…
– Não é Hipoglipo, pai. É Hipoglós.
– Esse aqui é Hipoglipo.
– É HIPOGLÓS, EU SEI!
O que faz um adulto no domínio de suas faculdades mentais embirrar com uma criança de fraldas, ainda mais defendendo uma tese indefensável? Pois esta cena se repetiu incontáveis vezes entre eu e minha filha e, desconfio, ambos retirávamos do momento boas doses de prazer. Prazeres diferentes, talvez. O meu, garanto, estava em ver desde tão miúda uma mulher forte, decidida, irredutível. Teimar com ela me tornava criança. O prazer dela, desconfio, refletia-se no exercício irrefreável de afirmação – ter opinião sobre as coisas é ser sujeito. Teimar comigo a tornava grande.
Eis um dos mais deliciosos desafios da educação: relacionar-se com seres dotados de personalidade, raciocínio, memória, sentimentos – tudo isso misturado em proporções exclusivas. É o que fazem os pais, também os professores. Propor e analisar o tempo inteiro para, a seguir, propor novamente seguindo um roteiro de construção de conhecimento e aprendizagem. As respostas jamais serão iguais e, arrisco dizer, nem mesmo as propostas são as mesmas: igual enunciado bate diferente em cada ouvido, chega outro no cérebro, impressiona de forma peculiar o coração. Só quem educa, mas educa mesmo, nota coisas assim.
Por isso a escuta tão acurada dos educadores. (Também, claro, alguns ruídos no processo.) A formação das nossas crianças merece profissionais tão comprometidos quanto, para sua educação, pais atentos. E o tempo/espaço de troca de informações entre professores e pais deve ser propositivo e flexível, sempre buscando consensos em prol dos pequenos. Tanto mais será exitoso o processo quanto melhor forem compreendidas as peculiaridades inerentes ao sujeito.
O exemplo da falsa disputa entre Hipoglipo e Hipoglós pode ser visto como uma dinâmica intuitiva para reconhecer táticas diante de uma filha contestadora, muito diferente do irmão cordial. Valeu pouco em estrito sensu, muito valeu para estabelecer estratégias de convivência. Foi assim que recebi as informações de desempenho nas reuniões com os professores: sobre uma base sólida de conhecimento da personalidade da filha, de sua maneira de ser. Vai a dica: quando, nestas oportunidades, parecer que falam de uma criança estranha, um dos lados está queimando etapas. Vai uma pomadinha?