Rubem Penz
Homo Zappiens é a terminologia presente em uma obra de Ben Vrakking e Wim Veen dirigida aos educadores. Nomina os seres humanos nascidos em um ambiente tecnológico. De rara felicidade, ela é muito mais do que supõe o bom trocadilho: resume e define a geração de agora. Aqueles que têm em casa um jovem, um adolescente ou uma criança, compreendem o que digo. O universo fragmentado e multifocal da meninada nos assusta em alguma medida: parece que são incapazes de sossegar o pito em uma atividade que requeira mais do que poucos minutos. E, mesmo quando estão estudando, teoricamente concentrados, há telas abertas ao alcance da vista, quando não fones nos ouvidos, e mensagens instantâneas brotando feito cogumelos durante a chuva.
Nessas horas, a primeira reação que tenho é a de desejar frear o processo. Amigos mais avançados falam que, se eles estão indo bem na escola, significa que apreendem conhecimentos sem abrir mão dos múltiplos estímulos. Custo a crer nessa possibilidade. Quem vai saber qual será o reflexo disso tudo na vida adulta? Mas, pensando bem, noto até em mim características destes tempos vorazes – já trago nos hábitos algumas inquietudes com a quietude. Sou um homem da tela lascada, por assim dizer. Vivo a transição do Homo Sapiens para Homo Zappiens, só me falta a naturalidade dos que já nasceram com tudo digitalizado. Em resumo, ainda me espanto com as novidades, mas não desejo retroceder.
Quando redator publicitário, ainda nos anos 1980, criava de modo manuscrito, passava a limpo em máquinas de escrever e acompanhava a lenta magia do papel branco transformando-se em layout pelas mãos de diretores de arte e ilustradores. Cada anúncio cumpria o ciclo de um amanhecer, desde as primeiras luzes iluminando as nuvens altas, até o sol se desprender do horizonte laboral. Agora, processo semelhante é quase instantâneo. Virou koyaanisqatsi – termo que na linguagem Hopi significa “vida em turbilhão”, usado para nominar uma obra cinematográfica visionária de Godfrey Reggio com imagens da natureza em contraponto com a cidade (1982). O filme utilizava apenas o som de Phillip Glass para contar muito de nossa História recente. Impactante. Tem no Youtube (veja!), ainda que os longos planos sejam um desafio para o imediatismo de hoje.
Enfim, quando me reporto aos anos oitenta do milênio passado, sinto-me como um homem pré-histórico alçado sucessivamente para saltos de tempo: quando me acostumo com uma ferramenta, ela já está obsoleta. O dia a dia me traz de volta a encantadora vertigem de Koyaanisqatsi. Todavia, na mente videoclipada e estroboscópica dos meninos e meninas, o turbilhão parece encontrar uma harmonia insuspeitada. Eles estão em outro ciclo, pacificados com a velocidade. A agilidade treinada nos videogames contamina expectativas e reações. Intuem os caminhos prometidos pela tecnologia, migram de suporte em suporte e de linguagem em linguagem como se a urgência fosse algo normal.
E se eu chegar a ter netos crescidos? Há uma chance de ver a geração dos meus filhos, autênticos Homo Zappiens, com dificuldades para acompanhar novas mudanças, repetindo o drama em que me encontro. E escutarei, então, suas queixas com relação ao comportamento das crianças. E soará Phillip Glass no fundo da memória – koyaanisqatsi retumbando nas paredes da minha caverna.