Celso Gutfreind
“Comer, dormir, vestir-se, lavar-se devem ser inculcados no pequeno irrequieto de maneira lúdica, com o acompanhamento de versinhos.” (Walter Benjamin)
O psicanalista e ator, Eduardo Pavlovsky, deu o nome de espaço lúdico a um lugar que considerou sagrado na mente da criança. Trata-se de algo criado a partir da imaginação. E cresce, a cada brincadeira e momento de ilusão. Começa na infância e, nos casos mais felizes, nunca termina. Pavlovsky mostrou que ele depois se torna a grande reserva de saúde mental, no adulto. Em momentos de tensão, pode-se decidir entre a doença ou o refúgio temporário no espaço lúdico. Como se o sonho de antes esperasse para nos acolher depois, nas horas mais difíceis. Precisamos de acolhida.
Mas o autor fez uma ressalva: nada se cria na solidão. É preciso compartilhar com o outro a invenção da hora. Precisamos de companhia.
Ler ou contar histórias para uma criança significa oferecer acolhida e evitar o desastre de viagens solitárias, como a dos meninos órfãos por causa das guerras organizadas pelos homens. Quem conta uma história está junto. Olhando, tocando, interagindo. A saúde mental começa pelo olhar (Winnicott). Se for com brilho e desejo, o bebê se sentirá vivo, ou seja, saudável. Como no jogo de espelhos à Jorge Luís Borges, o poeta. E aí já nem importam o conteúdo e a forma do que se lê ou conta. Afinal, os grandes heróis, no encontro da leitura, são mesmo o olhar e a voz. Precisamos de heróis.
Mas o espaço quer mais do que a oportunidade de olhar, ouvir e o sonho compartilhado. E ganha. Porque contar histórias para uma criança é lhe oferecer a chance de expressar seu sentimento de forma que não se assuste, pois ali tudo são brincadeira e símbolo. Precisamos de expressão.
Não bastando (a gente quer sempre ouvir outra vez), toda história corresponde a um modelo de pensamento que deu certo. No começo, era o caos de coisas não ditas, e os acontecimentos da intriga equivalem a poder dizer e pensar. Eu conto, logo penso. Precisamos de pensamento.
Interagir, sentir, pensar e expressar podem não esgotar o sentido da vida e da morte, contidas em toda história que se preze. Mas se mostram suficientes para transmitir o prazer de aprender. E viver. Há mais e infinitos motivos para o sucesso da aventura da leitura, mas nós ainda os ignoramos. Porque contar histórias introduz os pequenos no mundo dos grandes porquês e dos mistérios, maiores ainda. Precisamos de mistério.
(*) Do livro A Dança das palavras – poesia narrativa para Pais e Professores, Ed. Artes e Ofícios, 2012, págs. 70 e 71.
Que grande prazer que é ler um texto desses, tão bem escrito. Dá pra aplaudir de pé?