Lygia Bojunga (**)
Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado.
E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.
Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e, de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas – é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
Mas, como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra – em algum lugar – uma criança juntar com outros e levantar a casa onde ela vai morar.
(*) Mensagem de Lygia Bojunga para o Dia Internacional do Livro Infantil e Juvenil, traduzida e divulgada nos 64 países membros do IBBY, e publicada em “Livro – um encontro”, Ed. Casa Lygia Bojunga Ltda, RJ, 2004.
(**) Autora de literatura infanto-juvenil, que dá nome à Biblioteca da Projeto, tendo comparecido à sua inauguração, em 1994. Nasceu em Pelotas/RS, em 1932, viveu um tempo na Inglaterra e hoje vive no Rio de Janeiro. Fez sua estreia literária em 1972, com o livro Os Colegas, e, já em 1973, recebe o Prêmio Jabuti, tendo recebido vários outros prêmios ao longo de sua carreira, inclusive o Hans Christian Andersen. Também atuou e escreveu para teatro, e teve uma escola rural para crianças carentes no interior do RJ. Criou a Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga, projeto que desenvolve ações ligadas à popularização do livro no Brasil, bem como sua própria editora, a Casa Lygia Bojunga.