Mario e Diana Corso
A literatura nunca é perigosa, muito pior é o silêncio censor.
Pergunte a um professor de literatura do ensino médio qual é o seu maior dilema em aula e a resposta provavelmente será: quais livros devo sugerir para serem lidos e debatidos. Mas atenção, a questão não é que o professor não tenha suas escolhas e preferências, seus livros de estimação, o ponto é como não ferir suscetibilidades, principalmente dos pais da garotada e raramente dos seus alunos. Se o assunto é sexo o campo é sempre minado. O resultado é que os professores se autocensuram e escolhem obras menos polêmicas, enquanto os jovens precisam buscar informação sobre sexo em outros lugares. Geralmente em becos bem mais escuros e a sós.
Saber é poder e no que toca ao sexo, nessa idade, vale como nunca, por isso os adolescentes são tão ávidos por obras que lhes forneçam alguma informação. O desafio de sua vida nesse momento é fazer laços afetivos entre seus pares que os ajudem a se desgrudar do amor dos pais. Ora, sexo, erotismo e amor se confundem na cabeça do nosso jovem, ele está a mercê de uma certa fascinação e da supervalorizada expectativa que temos sobre a questão. Seria útil se houvesse um manual de instruções, ainda que fosse vago, impreciso, imperfeito. A questão é que, por sorte, os manuais não funcionam, seu alcance é limitado.
A leitura poderia ajudar, existem obras da literatura que não fogem da raia, que tratam da questão. Como essas raramente são adotadas, os jovens as descobrem sozinhos, ou no boca boca e as leem sem discussão, ou então só com o entusiasmo dos amigos. A literatura tenta ensinar aquilo que nem os pais nem a escola conseguem. Ela mostra como a vida é complicada, como nossos pensamentos que parecem anormais são corriqueiros. Ela nos deixa menos sós, não somos os únicos a sofrer de angústia sem explicação, há outros que se sentem perdidos e sem rumo, que fazem besteiras sem saber a razão. A boa literatura é o único espelho dos abissais que são a diversidade e complexidade humanas e sua tênue fronteira com a loucura. Ela ajuda a pensar certos comportamentos, fornece novas palavras para sensações enigmáticas, renova a linguagem corrompida pela fala materialista e burocrática da política e da propaganda, funda mundos imaginários para descansarmos do presente. A riqueza de um texto tem o dom de recriar a linguagem envenenada pela banalidade do pensamento obscurantista daqueles que sabem o que é bom para os outros. Ela não necessariamente nos salva, mas fornece boas pistas para achar o fim do labirinto da adolescência.
A literatura adoraria ter tanto poder formativo como acreditam seus censores. Especialmente no sexo, é bom esclarecer que ela não cria fantasias sexuais, apenas fornece cenários que enriquecem e polemizam certas questões. Ninguém vai se tornar pervertido por saber que isso ou aquilo se faz. As fantasias que comandam a vida sexual já estão construídas num adolescente, apenas ele não as explicitou, não as explorou. Confunde-se a descoberta da própria sexualidade com a sua formatação que vem da infância. Não é sem influência, mas é como colorir um desenho que já está feito.
Na mesma linha de raciocínio: recorte algo que existe na realidade e todos conhecemos, coloque isso num lugar público visível e está feita confusão. Pode ser um beijo gay, o sexo mais banal de um casal, um adolescente fumando maconha, enfim, desejos e comportamentos nem tão incomuns ou obscuros. No julgamento de quem censura, tudo deveria permanecer oculto, como se a exposição do já existente justificasse e legitimasse esse fato.
Os pensamento censor acredita que a literatura, a propaganda, a novela não são amostras das várias formas de ser, pensam nelas como autorização e convocação à imitação. Na verdade só cumprem a função provocativa que abre portas para discutir o assunto. A questão é: quem tem medo de uma discussão? A reposta é óbvia: quem não tem argumentos senão escudado na suposta autoridade dos que pretendem nos livrar da perdição. Esses mesmos que veem o público como uns desmiolados que só esperam um exemplo para seguir.
Com o acesso à internet, hoje disponível na maioria dos lares, qualquer jovem encontra pornografia, apologia às drogas, incentivo ao suicídio, e qualquer outra bestialidade imaginável. Mas o detalhe: ali ele está sozinho, sem um adulto, sem um guia que o ajude a discriminar o que serve do que é lixo, do que destrói sua sensibilidade e embota sua inteligência.
A adolescência é um momento sem bússola. Longe de seus antigos pais protetores, que com o fim da infância perderam seus poderes, melhor deixar que eles ao menos estejam perto de alguém que já tenha mais estrada na vida. Os mestres e seus livros podem ajudar a lidar com o peso das exigências do sexo. Confie nos professores de literatura ou nos professores e orientadores que não fogem dessas discussões em aula. Talvez eles não tenham a mesma opinião que você, mas é um adulto tentando uma ponte para ajudar neófitos a discernir o sublime do vulgar no açougue que o sexo pode vir a ser para nosso adolescente. Se evitarmos as obras sobre sexualidade e erotismo nos currículos, vamos deixar que o único professor de nossos filhos na educação sexual seja a pornografia.
fonte: http://www.marioedianacorso.com/livros-improprios-ou-pais-censores