Celso Gutfreind (2)
As coisas difíceis precisam ser contadas? Se a mãe ou o pai têm uma doença grave, devem dizer ao filho? No clima da maternidade, a pergunta gera outras: por que contar? Como contar?
Primeira resposta: contar. Já o parto da segunda é demorado, gerando mais de uma ideia como gêmeos.
Contar, porque somos seres humanos. Precisamos elaborar a vida que a gente leva, dar um sentido à existência e ao que nela acontece; trata-se de uma narrativa, e vamos tecendo aos poucos; é como aprender a organizar o caos ou simbolizar; demanda tempo, encontro, afeto e reflexão; omitir verdades significa arrancar um espaço precioso de trabalho pessoal. Não sobrevivemos mentalmente se não há sentido e, para chegar a algum possível, dá trabalho. Físico. Mental.
Contar, porque sabemos que é importante saber. O segredo nos faz mal e já foi descrito pela ciência (antes, pela arte) como um nó que tranca o seguimento da vida. O segredo inibe, pois transmite a ideia de que é perigoso conhecer. Mas faz bem saber do sexo, da vida e da morte. Para sobreviver. Para viver.
Contar, porque a criança real suporta mais a verdade do que o adulto que a reinventou conforme um dia desejou que ela fosse: à imagem e semelhança do seu narcisismo. Ora, se tranquilizarmos a criança de que não ficará desamparada mesmo perante a morte – ameaça maior de uma doença grave -, ela se acalma e vai adiante, mesmo triste. O narcisismo de um filho não ultrapassa o de um pai. A tristeza de uma criança é também sua aliada e véspera de toda alegria.
Como contar? Fico devendo a resposta. Hoje, dei folga para a minha onipotência e, realmente, não sei. Felizmente, os cuidadores sabem. Cada mãe e pai encontram seu jeito se ninguém atrapalhar. Aqui, limito-me a sugerir que se conte com esperança; a medicina, no fundo, também ignora o tempo de vida que nos resta quando somos designados de saudáveis. Nesta hora, pais, médicos e professores têm em comum a falta de poder.
Dizer mais sobre como contar seria tirar do foco os verdadeiros heróis desta história real: mãe e pai. Para sempre.
(1) Texto selecionado do livro “A Dança das Palavras: Poesia e Narrativa para os Pais e Professores”, da Ed. Artes e Ofícios, 2012 (págs 160 e 161).
(2) Pai de ex-aluna da escola, psicanalista e escritor, colaborador deste blog.