Celso Gutfreind
“Vejo nas intrigas que inventamos o meio privilegiado mediante o qual reconfiguramos nossa experiência temporal confusa, informe e, no limite, muda…” (Paul Ricoeur)
Cada criança tem um jeito original de negociar limites. E de não negociar. Pensar sobre o assunto não pode criar regras. Cada caso tem as suas próprias leis. Que vão mudando, mas podemos encontrar algumas pistas. Por que as negociações andam tão difíceis? Por que o último assalto da luta tem acontecido na escola? A escola vem depois. Antes dela, a história começou há muito tempo. E, no começo da história, tem o capítulo dos limites, o mais precoce, às voltas com o apego do bebê à mãe.
Se este funcionou, os fantasmas e outras coisas sem nome ficam protegidos numa espécie de envelope, base segura. Ali está o grande limite. A primeira pele que nos contém e pacifica. Chama-se amor. No início, evoca menos o exercício da autoridade do que desejo e entrega. No entanto, há capítulos ainda mais anteriores.
Observa-se, no atendimento às famílias, a importância do transgeneracional, com a influência de gerações precedentes. Pai e mãe podem ser soltos demais, na negociação com o filho, porque viveram um conflito de rigidez com os próprios pais. Ou vice-versa. Achar o tom de firmeza, como pais, com os filhos, é reescrever o tom de filhos com os pais. Conflitos se resolvem narrando a alguém capaz de ouvir com empatia. No diálogo entre gerações, os fantasmas se reorganizam. E desaparecem. Nossas famílias minúsculas andam carecendo de conversas. Estamos vivendo quietos, isolados, terreno fértil para a não negociação.
Outras faltas? Não a do tempo: já está claro que criança precisa qualidade de presença, não quantidade. Mas, no isolamento, some a segurança de ser mãe e pai.
São apenas pistas para pensar. Palavras. Mas, em tempos de mera informação e imagens, palavras e pensamentos voltam a ser importantes.
Eles também carregam o paradoxo de oferecer limites e abrir horizontes.
(*) Do livro A Dança das palavras – poesia narrativa para Pais e Professores, Ed. Artes e Ofícios, 2012, págs. 140 e 141.