Beth Baldi
“O segredo de um (bom) escritor é ter uma cesta de papel mais cheia que a gaveta de guardados.”
Ana Maria Machado, que esteve na escola para a nossa 30ª Feira do Livro, usou essa frase para explicar às crianças o trabalho do escritor e o seu próprio processo de escrita. Contou que é disciplinada e escreve todos os dias, jogando fora muito do que produz, porque muito do que escreve é para se exercitar. Como um músico que toca todos os dias suas escalas ou como uma bailarina que faz exercícios físicos diariamente, ela também se mantém em forma, escrevendo todos os dias. Claro que agora, com o computador, as escritas não são descartadas no cesto de lixo, em folhas de papel, como antes, quando se escrevia em máquinas de datilografar… Elas são apenas deletadas. Mas a ideia ainda é válida!
Fiquei pensando, a partir daí, na importância da escrita ser sistemática e frequente na escola, tanto quanto a leitura, especialmente porque na escola as crianças e jovens estão aprendendo a escrever. Imaginem: se Ana Maria Machado, imortal e grande escritora faz isso, mesmo com reconhecimento nacional e internacional da crítica e de seus leitores, o que sobra para nós, comuns mortais, que estamos aprendendo? O exercício diário da escrita, não importando o tema ou a proposta (a janela entreaberta, o céu nublado, a chuva, o final para uma história, um encontro, um susto, uma viagem, uma saudade, algo que se vê ou se imagina, um reconto, uma carta, um poema com determinadas palavras escolhidas etc.), pode fazer a diferença nessa difícil e complexa aprendizagem.
Não que queiramos formar escritores profissionais na escola. Os alunos até podem vir a sê-lo, se desejarem e, para isso, se dedicarem mais adiante. O que, sim, almejamos e, sobretudo, devemos garantir enquanto escola é o desenvolvimento nos alunos do gosto pela escrita e da capacidade de se expressarem e se comunicarem também por essa via. Ou seja, oportunizar que, gradativamente, ampliem seu domínio em relação a essa habilidade – suas possibilidades e técnicas -, para que possam usufruir dela efetivamente, qualquer que seja a atividade profissional que escolherem. Objetivamos, enfim, que escrevam cada vez melhor e com mais propriedade, para pensarem melhor, viverem melhor e serem melhores cidadãos.
E escrever todo o dia pode ser uma das chaves para alcançarmos esse objetivo, paralelamente a trabalhos específicos e periódicos de ortografia, gramática, vocabulário e organização de ideias, entre outros aspectos da língua escrita. Inclusive porque esses “trabalhos específicos” terão muito mais sentido se estiverem contextualizados, sendo discutidos e aprendidos dentro de um texto e a partir de um objetivo claro de comunicação ou expressão.
Lembro que Artur Gomes de Morais, em seu artigo para o primeiro número da Projeto – Revista de Educação, já nos alertava:
“Pensamos que um ensino sistemático, que gradativamente leve à reflexão sobre as diferentes dificuldades de nossa ortografia, ajuda a criança exatamente a se tornar melhor escritora, já que a aquisição de certos automatismos na ortografia lhe permitirá voltar mais sua atenção à composição da história (ou outro tipo de texto) que ela está redigindo.” (Ensino de Ortografia: como vem sendo feito? Como transformá-lo?, Projeto – Revista de Educação, ano 1, nº 00, Ed. Projeto, 1999)
Se substituirmos a palavra “ortografia” por “escrita” na citação acima, nas duas vezes em que aparece, teremos outra opinião de peso a favor da escrita sistemática e frequente na escola, acreditando que Artur também a assinaria. Assim, experimentar diferentes produções textuais, bem como revisar e discutir seus textos com o encorajamento do professor, enfrentando seguidamente as dificuldades da escrita – sejam elas relativas ao conteúdo, à estrutura, à linguagem ou às normas convencionais da língua -, possibilita ao aluno um nível cada vez mais aprofundado de reflexão sobre a linguagem e sobre a palavra escrita, assim como de apropriação de recursos variados para aprimorá-las, instrumentalizando-o para uma escrita mais fluída e criativa.