Nicole Sauthier Niche
“Eu gosto que a gente se diverte e aprende coisas novas também, brincando.”
(Isabela, turma 22)
Quando você pensa em crianças pequenas na escola, que cena(s) imagina?
Se visualizar correrias, risos e gritarias de crianças brincando num espaço agradável e colorido, isso não é por acaso, já que a brincadeira pertence à criança, se relaciona diretamente à infância na nossa cultura. E é muito comum observarmos esses momentos de brincadeiras na rotina das escolas, especialmente nas infantis, com as crianças construindo castelos, conversando com ursinhos, alimentando as bonecas.
No entanto, a brincadeira é muito mais do que diversão e movimentação física. E mesmo que fosse somente isso já seria muito importante para o desenvolvimento das crianças. Mas é bem mais, como já apontava o alemão Friedrich Froebel (1782 – 1852), criador dos jardins-de-infância (citado por Alessandra Arce em A pedagogia na ‘era das revoluções’: uma análise do pensamento de Pestalozzi e Froebel Campinas: Autores Associados, 2002), que foi quem, pela primeira vez, viu o brincar como atividade responsável pelo desenvolvimento físico, moral e cognitivo das crianças e pelo estabelecimento das relações entre os objetos culturais e a natureza.
Ela permite também a construção de conhecimento pela criança. É fonte inesgotável de investigações e descobertas, além de linguagem que desenvolve suas potencialidades na construção de sua personalidade.
“A brincadeira é uma linguagem infantil que mantém um vínculo essencial com aquilo que é o não brincar. Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da imaginação isto implica que aquele que brinca tenha o domínio da linguagem simbólica. Isto quer dizer que é preciso haver consciência da diferença existente entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu conteúdo para realizar-se. Nesse sentido, para brincar é preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da realidade. Toda brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e das ideias, de uma realidade anteriormente vivenciada” (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998, MEC/SEF, p.27).
Em outras palavras, brincar é a forma natural da criança explorar o mundo, construindo seu próprio saber, explorando os limites do seu corpo e mente e adquirindo experiência, assim como aprendendo a respeitar o outro, desenvolvendo o sentimento de grupo, ativando a imaginação e se autorrealizando.
Sabendo disso, a escola se organiza para incluir, o mais possível, o brincar e a brincadeira na sua rotina.
“(…) é fundamental que se assegure à criança o tempo e espaço para que o lúdico seja vivenciado com intensidade capaz de formar a base sólida da criatividade e da participação cultural e, sobretudo, para o exercício do prazer de viver” (em Pedagogia da Animação, de Nelson C. Marcelino, SP, Papirus, 1989, p.72).
Mas não só em situações “livres”, reservando espaços de tempo para que as crianças realizem suas brincadeiras espontâneas. Também é essencial transformar em brincadeira as situações em que se tem uma intencionalidade mais específica de ensinar, ou seja, planejar propostas de aprendizagem em forma de brincadeira ou jogo. Afinal, segundo Euza Bonamigo (em Brincar: Brincadeira ou coisa séria?, Educação & Realidade Edições, 1991), o brincar é o mais completo dos processos educacionais, porque influencia o intelecto, o corpo e as emoções da criança.
Utilizar, portanto, princípios da brincadeira e do jogo espontâneo da criança nas situações de aprendizagem escolar potencializa-as, permitindo que, além de aprender de forma mais significativa o conteúdo em questão, a criança se autorregule e se organize, construindo normas para si e para o outro, conjuntamente.
Sim, porque o brincar também é um importante meio de socialização da criança, que a auxilia a sair do chamado egocentrismo, em que não consegue perceber o ponto de vista do outro. O convívio com seus pares estimula a troca de pontos de vista diferentes, ajudando a criança a perceber como os outros a veem e auxiliando a criação de interesses comuns, ou seja, de razões para interagir com o outro. Além disso, a vivência do ganhar e do perder a auxilia a lidar com a frustração e, ao representar papéis, “fingindo” ser outra pessoa, a criança torna-se mais consciente das diferentes maneiras de ver e sentir a mesma situação, tornando menos egocêntrica a sua visão do mundo.
Assim, a hora de brincar é muito mais do que o momento de recreação para a criança. Além de se divertir, a criança que brinca está nutrindo sua vida interior e dando um sentido para as experiências e descobertas que realiza, fortalecendo também a relação afetiva com o mundo, com as pessoas e com os objetos. Para a criança, brincar é viver.
Leia mais sobre o assunto em artigo “A brincadeira na educação infantil”, da professora Larissa Richter e da ex-professora Deise Sabino, publicado em 2015 na Revista Palavra Projeto, págs 20 a 23, no site da escola: https://issuu.com/arodesign/docs/revista_palavraprojeto_23dez2015