Ana Júlia Poersch (*)
Às vezes, nós, adultos, esquecemos as delícias das coisas simples. Numa tarde comum, corrida, repleta de situações a serem resolvidas, olhos para todos os lados, atenta a todas as crianças, eis que sou chamada no momento do recreio: Profe, um bolo de chocolate com cobertura de morangos pra ti! Ah, e mais um cafezinho bem quentinho! Bom apetite, se quiser mais é só me chamar, sou a dona da melhor padaria da cidade. Como resistir a um convite desses? Bolinho e café de faz de conta. Estavam uma delícia e chegaram na hora certa. Comi, chamei a dona da padaria e pedi mais, sem dúvida. E a brincadeira deu o que falar: mais fregueses, novos sabores de bolos, cafés, um nome para a padaria, chapéu de chef de cozinha e tudo mais. Como é bom brincar!
Através do jogo simbólico, também conhecido como brincadeira de faz de conta, a criança pode imaginar, criar, imitar, assumir diferentes papéis e experimentar situações distintas. Pode encurtar tempos ou estendê-los, bem como atribuir diferentes significados aos objetos que manipula. Areia que se transforma em chocolate ou pó mágico. Corda que se transforma em coleira de cachorro ou cobra venenosa. É no período dos 2 aos 5 anos de idade que, geralmente, as crianças entram nessa fase dos jogos simbólicos. Fase em que as brincadeiras de médico, casinha, heróis e outros personagens favoritos se fazem presentes.
Enquanto a criança brinca de faz de conta, ela exercita e desenvolve diversas capacidades e habilidades: cognitivas, sociais, motoras e emocionais. Ao inventar uma brincadeira, a criança exercita a sua criatividade, planeja situações e organiza espaços. Ao mesmo tempo, desenvolve sua autonomia, busca objetos necessários e esquematiza cenas. Além disso, os jogos simbólicos desempenham um papel importante no que se refere à socialização, pois possuem uma característica integradora, quando se faz necessário incluir mais personagens à brincadeira, como por exemplo, um médico que precisa de pacientes. Essas situações contribuem para que as crianças aprendam a compartilhar, combinar papéis e atuações, assim como exercitem a capacidade de resolver pequenos problemas, quando duas crianças querem desempenhar um mesmo papel, por exemplo.
A brincadeira de faz de conta também estimula o desenvolvimento da linguagem. Imaginando e criando, as crianças se comunicam, inventam e contam histórias, conversam com personagens e são estimuladas a expressarem suas vontades frente ao grupo envolvido. O conteúdo, as expressões, a linguagem dessas situações imaginárias provém do mundo social, da “bagagem” de experiências já vividas pelas crianças. Mesmo que ainda não possuam um vocabulário muito amplo, podem exercitar a capacidade de comunicação imitando a forma como os adultos e outras
crianças falam, reproduzindo expressões e até mesmo entonações de voz.
O jogo simbólico, que se caracteriza ainda pela combinação entre o mundo real e o imaginário, permite que a criança se aproxime, viva e enfrente alguns medos de forma diferente e criativa. Criar situações imaginárias com a presença de conteúdos mais difíceis de lidar no mundo real é uma forma da criança poder viver a realidade e enfrentar alguns desafios, possivelmente de maneira mais amena. No mundo da fantasia também há a possibilidade de inverter papéis, ou seja, a criança que tem medo de dentista, por exemplo, tem a chance de viver essa experiência no papel oposto e, através das dramatizações, pode se tornar mais preparada para encarar experiências reais no futuro.
Enfim, o jogo simbólico é uma atividade especialmente enriquecedora para o desenvolvimento infantil. Cabe a nós, adultos, valorizarmos esta e outras tantas formas de brincar, disponibilizando materiais que incentivem a imaginação, garantindo tempo para que os pequenos possam criar, explorar e elaborar suas ideias e, sobretudo, disponibilizando nossa subjetividade e nosso olhar: aceitando esse convite o nosso brincar resgata a imaginação, o lúdico que habita nosso adulto. O pedido é das crianças, o presente é nosso.
(*) Professora da educação infantil da Projeto, atualmente com turma do Grupo 5.