Rafael Bricoli (1)
Quando estamos diante de algo muito grande, uma força da natureza tão evidente, parece bater uma sensação de pequenez. O que fazer quando a realidade à nossa volta demonstra, berra, clama por uma mudança sistêmica da qual nós, meros mortais, não temos gerência alguma? Diante de tantos eventos climáticos extremos, há um novo tipo de angústia afetando as pessoas ao redor do mundo: a chamada ansiedade climática. É aquele sentimento de impotência diante da fúria da natureza, em razão das consequências do aquecimento global.
Não sei vocês, mas eu tenho zero paciência com negacionistas climáticos. Não consigo entender essa gente que finge que nada está acontecendo.
Quando fomos atingidos pelas enchentes deste ano no Rio Grande do Sul, algo tão gigantesco aconteceu conosco, que quem aqui viveu, vai levar essa memória por muito tempo. Quem foi atingido(a) diretamente, vai levar por mais tempo ainda. Foi a natureza chegando com a sua força e arrastando tudo. Passando por cima de um estado inteiro. Não consigo entender como, ainda assim, há quem ignore a existência de uma crise ambiental sistêmica em curso, e consegue seguir a sua vida sem o peso desse pensamento. Este momento histórico, isso que chamamos de presente, é um momento decisivo para a humanidade como um todo. E um momento muito complexo para nós, enquanto indivíduos. Precisamos agir. Mas diante de toda a magnitude da natureza, quem somos nós, reles humanos, trabalhadores e trabalhadoras, acordando cedo e dormindo tarde, dentro da nossa rotina e afazeres, presos no trânsito, quem somos nós diante da imensidão de uma enchente? Nada.
Esse pensamento é ruim e danoso, pois pensar que não somos nada, nos faz impotentes e gera uma passividade reconfortante, de quem não tem culpa no cartório, de quem não tem nada a ver com isso tudo, já que são os bilionários os maiores poluidores do planeta, com seus jatinhos e indústrias. Pensamos que economizar na água do banho não vai resolver nada. Ou “de que adianta eu separar o meu lixo se já sabemos que muito dos nossos resíduos vão parar no mar?” O problema desse tipo de pensamento é que ele é uma armadilha. Já há comprovações suficientes de que o planeta está em ebulição e essa questão é urgente, pra ontem. Eu, que tenho pretensões de viver bastante, sou afetado por essa ansiedade climática, justamente por estar ciente dos frequentes e cada vez mais intensos desastres ecológicos. Mas o que fazer? O que eu, enquanto indivíduo, posso fazer?
Desde 2021, eu coordeno as atividades do Grêmio Estudantil da escola Projeto. Em 2021 também foi o ano em que a Projeto começou a fazer parte do MOVIMENTO ESCOLAS PELO CLIMA (movimento que reúne escolas públicas e particulares pelo Brasil todo, com a intenção de incentivar, movimentar e trocar experiências em relação às emergências climáticas). Unimos o Grêmio Estudantil e essa proposta do Movimento Escolas pelo Clima, criando, então, um espaço onde as crianças podem ser propositoras de ações que tenham como foco os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A cada ano, as crianças do 5° ano são convocadas a pensarem ações que possam afetar a escola e seu entorno (2).
No início do ano, as crianças já haviam se dividido em duas chapas – “S.O.S Planeta” e “Ajudantes do Clima” – para pensarem as suas propostas. Cada chapa foi dividida em quatro Grupos de Trabalho (GT): GT de resíduos, GT de comunicação, GT de solidariedade e GT de ecologia. Em maio, estávamos planejando as propostas quando fomos atingidos pela enchente. Tudo parou, ficamos quase três semanas sem aula. E, quando retomamos nosso trabalho, no primeiro encontro com o Grêmio Estudantil, tivemos de falar sobre o que havia acontecido. Fiquei extremamente tocado com a clareza e o discernimento dessas crianças ao falarem do assunto. Havia ali, uma consciência da gravidade do momento, que muitas vezes eu não enxergava em adultos. Combinamos, então, que a primeira ação do Grêmio Estudantil seria gravar um vídeo sobre a enchente. Falar para elaborar o que vivemos.
Fizemos um roteiro do que queríamos dizer no vídeo e logo já gravamos, sem muito ensaio. Fiquei impressionado com a propriedade com que as crianças falavam de um assunto tão sensível. Esse vídeo foi compartilhado nas redes sociais da escola e também compartilhado com todas as escolas signatárias do movimento espalhadas pelo Brasil, para que pudessem ter uma perspectiva do que vivemos aqui, a partir das crianças (3).
As ações do Grêmio estão seguindo. A primeira diretoria eleita (S.O.S. Planeta) está terminando suas ações no meio de setembro. Durante este trimestre, essa diretoria destinou corretamente os resíduos (esponjas de cozinha, tampinhas, óleo usados, materiais eletrônicos e pilhas) arrecadados pelo ponto de coleta que há na escola. A diretoria plantou duas árvores frutíferas pela escola. A ideia inicial era plantarmos árvores em espaços públicos pela cidade, mas, por conta da burocracia institucional da prefeitura, não teríamos tempo e optamos começar o plantio pelo nosso próprio quintal. E na semana que vem, faremos a última ação, finalizando as atividades dessa diretoria, indo até a cozinha Solidária do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), para entregarmos os alimentos arrecadados pela campanha de alimentos. Nossa ida até à cozinha, será também para que as crianças tenham a experiência de entrar na linha de montagem das marmitas.
As cozinhas solidárias foram de extrema importância durante a enchente deste ano. No momento mais crítico desse terrível período, a Cozinha Solidária produziu mais de 3500 marmitas por dia para os desabrigados pela enchente. Apesar desse período da crise já ter passado, ainda há muitas pessoas com fome que tem na Cozinha Solidária, muitas vezes, a sua única fonte de alimentação. As pessoas atingidas pela enchente são consideradas refugiadas climáticos. Pessoas que, por força maior, precisaram sair de suas casas. Nesse sentido, o Grêmio Estudantil também se insere para colaborar com a iniciativa das cozinhas.
E ainda teremos as ações da segunda diretoria (Ajudantes do Clima) no último trimestre do ano!
Voltando àquele empasse a que me referia no início do texto, sobre o que fazer diante da magnitude de uma tragédia climática, me pego observando as iniciativas das crianças. Vejo nelas um jeito imperativo genuíno de agir no mundo.
É claro que essas pequenas ações não diminuem a imensidão do problema a ser enfrentado, mas observo que auxiliar as crianças a executarem essas ideias me ajuda a deixar acesa a chama de esperança no futuro. Mesmo quando o que nos cabe seja o espaço do nosso próprio quintal.
Plantio das árvores com os estudantes de zootecnia da UFRGS
(1) Professor de Teatro da Projeto e Coordenador das atividades junto ao Grêmio Estudantil.
(2) Para ler o texto sobre o Grêmio Estudantil e suas ações do ano passado, acesse: https://www.escolaprojeto.g12.br/gremio-estudantil-a-importancia-de-criar-parcerias-e-rede-de-apoio-na-questao-climatica/
(3) Para assistir ao vídeo, acesse: https://www.escolaprojeto.g12.br/gremio-estudantil-enchentes-no-rs/