Rubem Penz
Existe um pedaço na cidade que é meio mágico, meio mítico. Um espaço de circulação ímpar. Um passeio diferente dos demais. Ele inverte um pouco a lógica das coisas: ao invés de nele deixarmos pegadas, será ele a nos marcar dos pés à cabeça.
Ali, há muitos encontros. De ideias, de angústias, de conflitos. Incide neste ambiente um foro privilegiado para o debate ao mesmo tempo que rico e profundo, descompromissado. Oportunidade para concluir que não estamos sós nem nas nossas dúvidas, nem nas convicções. Chance de ouvir opiniões, mesmo discordantes, da forma mais cidadã: ao rés do chão, em público, com paridade.
É um momento com hora marcada para acontecer, e sem muita hora para terminar – dependerá da fome, dos compromissos meio urgentes, da conveniência. Tanto mais será melhor ficar, quanto menos pressa tivermos para partir. Chegar cedo também ajuda: torna-se prolongado. É uma espécie de “tempo livre”, e liberdade é um valor imprescindível a qualquer tempo. Na soma dos minutos, hoje vejo com clareza, formam-se muitas horas de prazer.
Este espaço é aproveitado de formas distintas. Para crianças, é o lugar de corrida, brincadeiras, aventuras. Peraltices – é quando os adultos precisarão ter paciência e sabedoria para compreender os ganhos ali conquistados. Para os adultos, é como a construção de uma rede social. Concreta, física, sensorial e sensível. Mais franca (menos editada) do que as redes virtuais. É quando os filhos precisarão ter sensibilidade para ver que os pais se divertem.
Poucos metros quadrados, muitos quilômetros de conversa. Vida ao vivo, tempo real. Cheiros, sabores, formas, chuva, sol, ventania. Pulsação. A cidade no seu formato mais nobre, no seu intento mais verdadeiro. Poucos são os lugares com tanto afeto trocado como a calçada defronte à escola na hora da saída. Plataforma de encontros e despedidas. Aeroporto para sonhos e projetos.
Entre as paredes do prédio e o meio-fio, lembranças.
Entre as muitas lembranças, o meio-fio e as paredes do prédio.
Eterno apego.