Gerson Smiech Pinho (**)
Era um seminário que se propunha pensar a educação nos tempos atuais. No momento do debate, uma das questões propostas pelo público perguntava sobre a legitimidade ou não da expulsão de alunos envolvidos em situações de violência no ambiente escolar. Mesmo que tenha se produzido uma discussão bastante proveitosa no evento a partir dessa indagação, não deixa de causar certo estranhamento que a dúvida sobre a permanência de um aluno na escola, por maiores que sejam suas dificuldades de convivência, ainda tenha que ser trazida à pauta e debatida.
Sob qualquer ângulo que se consiga examinar o problema, parece sempre evidente que excluir é o avesso de educar. Se alguém transgride regras básicas de convívio social, o ato educativo torna-se uma intervenção indispensável. Pode-se ainda acrescentar que talvez sejam estas as situações nas quais o processo educacional mais se evidencie como fundamental e imprescindível. Como não ofertar educação a alguém que se inscreve de forma frágil no laço social? Ou, ainda, como seria possível educar alguém que é retirado da escola e posto à margem do sistema educativo? Contudo, aquilo que poderia aparentar ser uma obviedade à primeira vista deixa de sê-lo, na medida em que a realidade revela situações que manifestam o contrário. Foi o que pude constatar através de depoimentos que chegaram até mim após a questão proposta, no debate acima referido.
Se o termo “educação” for tomado em toda sua complexidade e amplitude, ultrapassando o mero desempenho acadêmico ou aquisição de competências, é fundamental considerar que, no ato educativo, também está em jogo um sujeito que se constitui, o que implica não só a formação pessoal da criança ou adolescente, mas também sua inscrição no laço social. Nessa direção, a permanência na escola de todos os alunos, independentemente de suas condições psíquicas, teria que ser considerada uma garantia básica do espaço educacional.
A escola é a instituição encarregada, na modernidade, de sustentar a aprendizagem dos conhecimentos elaborados na cultura para que possam ser transmitidos às novas gerações, no âmbito das ciências, das artes e da filosofia. Além disso, e cada vez mais, ela também tem sido responsável pela formação em outros domínios, atribuídos, no passado, exclusivamente ao território privado da família, como a orientação sexual e as questões de gênero, por exemplo.
Porém, independentemente de qualquer novo conteúdo que possa vir a ser inserido no currículo, boa parte daquilo que é transmitido não se passa através do conhecimento formalizado, apresentado através dos livros, aulas expositivas ou Powerpoints. Uma porção fundamental da transmissão se dá por meio das relações tecidas institucionalmente, o que inclui professores, alunos, pais, mães, funcionários e todos aqueles que protagonizam o dia a dia do espaço escolar. No emaranhado dessa rede, as atitudes e posturas tomadas diante dos conflitos e das diferenças, a inclusão ou exclusão de distintos pontos de vista e opiniões, bem como da diversidade humana, são tão ou mais eficazes na construção do futuro adulto do que o conteúdo que “cai na prova”.
Todas as experiências que tramitam nesse âmbito compõem um saber que vai mais além do conhecimento. Saber inconsciente, que tece a posição que cada um de nós habita no convívio com o outro, nisso que constitui o laço civilizatório.
Nesse sentido, é fundamental problematizar as formas a partir das quais lidamos com as situações de violência, conflitos e diferenças que emergem no espaço escolar. Em uma época em que a vigilância, desconfiança e pouca tolerância à diferença facilmente ganham o primeiro plano, cabe interrogar fortemente o que transmitimos quando educamos.
(*) Texto publicado no Jornal Sul 21 em setembro de 2019.
(**) Pai de ex-alunas da escola, Psicanalista, membro da APPOA e do Centro Lydia Coriat.