Beth Baldi (*)
Em um grupo de estudos, que está acontecendo na escola com foco na Matemática (1), seguimos analisando ontem a planilha curricular dessa área, observando os diferentes conteúdos propostos e sua continuidade ao longo dos anos escolares (do Grupo 4, no infantil, até o 5º ano do fundamental). Algumas perguntas trazendo curiosidades autênticas de participantes, novas na escola e menos experientes como professoras, foram fundamentais para avançarmos na forma de olhar para o documento, construído e constantemente atualizado e ajustado pela equipe, em função de estudos e de práticas junto às crianças.
“Este currículo segue uma orientação geral?” “É assim também em outras escolas?” “É algo já determinado de antemão por alguma legislação?”
“E quando alguma criança tem dificuldades em algum conteúdo, como se faz?” “Pode haver reprovação, como em outras escolas?”
A partir dessas questões foi possível aprofundar aspectos importantes que norteiam o trabalho da escola.
O primeiro diz respeito à elaboração de um currículo, que obviamente deve respeitar algumas diretrizes básicas presentes nas legislações em vigor (nesse caso, especialmente a BNCC), mas que se faz, sobretudo, a partir de escolhas da escola e sua equipe, uma vez que a legislação garante esse espaço de autonomia às instituições escolares. Essas escolhas levam em conta características de sua comunidade escolar – seus interesses e necessidades – e orientações pedagógicas adotadas, entre outros aspectos.
Nesse sentido nossa conversa girou em torno das opções da Projeto em relação à orientação construtivista, que procura garantir, no que se refere tanto ao currículo de Matemática como de outras áreas, tempo didático para construção do conhecimento pelas crianças, diferentemente de escolas com opções de ensino mais tradicionais e/ou conteudistas, que priorizam a quantidade de conteúdos a cada ano escolar. Esse tempo estendido para que as crianças sejam provocadas e, então, explorem desafios e problemas propostos de diferentes maneiras, assim como materiais e jogos, oportuniza que elas expressem suas hipóteses – ou seja, pensem e comuniquem o que pensaram -, confrontem ideias com colegas e professora, questionando e sendo questionadas, e elaborem conclusões em conjunto, ainda que provisórias a cada etapa do trabalho. Assim, além da construção dos conhecimentos em questão, com compreensão e significado, as crianças desenvolvem várias habilidades de pensamento e atitudes de investigação, em vez de serem somente colocadas a executar e repetir procedimentos prontos mostrados a elas, o que pode acontecer num tempo mais restrito, porém com aprendizagens igualmente mais restritas.
Em nossa proposta, se supõe como etapas ou diferentes dimensões desse processo de construção e apropriação do conhecimento: exploração e experimentação (reflexão e construção de hipóteses), comunicação e discussão (compartilhamentos), institucionalização e validação dos conhecimentos no coletivo (registros de conclusões) e, finalmente, sistematização (exercícios), garantindo a consolidação dos conhecimentos.
Isso implica que um mesmo conteúdo vá sendo retomado e ampliado, em diferentes dimensões, de um trimestre letivo a outro e de um ano escolar a outro, como num movimento em espiral, que propõe os conteúdos cada vez num nível diferente, mais aprofundado, e focando, em termos de sistematização, cada vez um determinado universo numérico.
A segunda reflexão foi sobre como lidar com dificuldades que, por ventura, apareçam na trajetória de alguma(s) criança(s) em relação a algum conteúdo proposto. Levantamos as diferentes intervenções possíveis e que costumam ser colocadas em prática na escola nesses casos. São elas: trabalho com a(s) criança(s) em questão na própria classe pela professora regente, com auxílio de algum(a) monitor(a) se possível, através de propostas diferenciadas, conforme seu nível e possibilidades (individualmente, em duplas ou pequenos grupos); módulos de tarefas de casa diferenciadas para ela(s), combinadas previamente com a família; frequência da(s) criança(s) a aulas extras dos chamados “Grupos de Apoio”, organizados trimestralmente após os pré-conselhos, com focos bem específicos de trabalho, no contraturno e com outra professora; recomendação à família sobre a necessidade de algum atendimento extraescolar, quando for o caso de essas intervenções anteriores não estarem oportunizando as evoluções esperadas, com acompanhamento das mesmas e continuidade dos apoios na escola. Falamos, ainda, sobre o caso de crianças de inclusão, que costumam ter currículos adaptados/individualizados, conforme cada caso, algo relativamente novo, respaldado por legislação específica, e muito importante para a organização mais adequada do trabalho com elas, respeitando suas necessidades e possibilidades a cada etapa, bem como assegurando suas evoluções. Nesses casos, também se procura manter uma estreita comunicação com os(as) especialistas que atendem as crianças, alinhando ações e compartilhando decisões. Desse modo, a reprovação pode até acontecer, mas será muito mais rara, tendo em vista todo um conjunto de ações, que se desenvolve ao longo de todo o ano letivo e que vai desde a preocupação em acompanhar cada criança, avaliando constantemente seu processo e o trabalho realizado, passando pela busca de alternativas e propostas diferenciadas que a alcancem em seu momento, mesmo que ela esteja num momento diferente da média da turma, até chegar a decisões compartilhadas com especialistas e famílias, sempre pensando no melhor para cada criança e na garantia da continuidade de seu desenvolvimento.
Todas essas ações dependem, é claro, para acontecerem, de uma equipe afinada e atenta, respaldada e fundamentada por estudos e interlocuções frequentes, garantidos por uma formação permanente em serviço, da qual faz parte o referido grupo de estudos. Esse é mais um investimento constante da escola, o qual muitas vezes é pouco visto ou percebido, mas que é justamente o que irá sustentar sua proposta, junto com uma estrutura de encontros e acompanhamento pela coordenação.
(*) Diretora pedagógica da Escola Projeto.
(1) O grupo está se reunindo às quartas-feiras, na Unidade 2 da escola, desde 16/3, de 18h30 a 20h, sob a minha coordenação. As professoras e monitoras participantes aderiram livremente à proposta, sem custo para elas. E o foco na Matemática foi sua escolha. Temos explorado jogos matemáticos do acervo da escola, procurando relacioná-los aos diferentes conteúdos e anos escolares, buscando também alguma fundamentação.