Caliana Zellmann
Como estudante, passei por três escolas. Uma delas privada, outras duas públicas. Foram anos de aprendizados e de vivências marcantes, construindo uma ótima caminhada que contribuiu muito para a minha formação pessoal e minha escolha profissional.
Nas escolas pelas quais passei, havia sempre um espaço que me chamava atenção. Quando menor, por achar um espaço grande e vazio. Quando maior, por não entender muito bem o porquê dele não ser tão aproveitado. Um lugar onde enciclopédias eram expostas como troféus, onde havia livros antigos e com páginas amareladas, estantes empoeiradas e móveis que mal eram usados. Havia sempre uma pessoa que ocupava aquele lugar, aquela que etiquetava os livros, que sabia o lugar de cada um e que deixava tudo organizado – apesar de não ficar desorganizado nunca. Muitas vezes era só ela dentro daquele espaço. Ela, os móveis, as estantes, os livros e os “troféus”.
Penso que minhas experiências não foram tão enriquecedoras no sentido de conseguir aproveitar, de fato, as possibilidades que deveriam se abrir dentro de um espaço tão único como o de uma biblioteca. Mas, por sorte, a vida dá muitas voltas e me tornei professora. Vim parar em uma escola que me fez enxergar um encantamento ainda maior por esse espaço.
Agora eu sei que o vazio que eu via, quando pequena, era um vazio de vida, de pessoas, de conhecimento e de imaginação acontecendo. Agora entendo que o tamanho de uma biblioteca não diz muito sobre ela. Ela pode ser grande, pode ser pequena, não importa. O que importa de verdade é o que se vive dentro dela. O que se aproveita dela. Sei também que estantes podem fazer parte dela, mas a poeira não. Sei que os “troféus” são importantes e eles precisam estar lá também, por conta de tudo que já representaram na vida de muitos estudantes. São obras que contém informações das mais diversas áreas e que são riquíssimas (pena que eu não sabia disso antes…).
Aprendi que uma pessoa pode, sim, estar sentada durante todo o tempo dentro da biblioteca e que ela pode ser tão importante quanto o livro. Mas sei que, como professora, tenho a necessidade de conhecer grande parte do acervo da biblioteca, pois sou eu que poderei orientar as leituras dos meus alunos.
Trabalho em uma escola onde a chegada de um livro novo é tão valorizada quanto um evento importante. E esse livro, cheirando a novo, divide espaço com aqueles meio amarelados, que também temos, como os mencionados antes, e que só ficam assim depois de terem passado por muitas mãos.
Mas há algo maior que tudo isso. Maior do que o próprio espaço da biblioteca, maior do que o número de livros que há dentro dela. Cada biblioteca, sendo única, tem uma missão. A nossa é uma missão compartilhada entre pais, professores e escritores: a missão de formar crianças que gostem de ler, que se tornem apreciadoras de livros, construtoras de imaginação.
Divido momentos de leitura diária com meus alunos e sei da importância do espaço da nossa biblioteca para que a leitura se torne realmente um hábito. Lemos para estudar, nos informar e por prazer. Acredito que formar leitores sempre foi um dos grandes desafios para escolas e professores. Agora temos também a opção da leitura digital, que pode dividir atenção com livros de papel, mas confesso que, para mim, não há nada que se compare com o cheiro e a sensação de algo “vivo” nas mãos.
Quando pequena, não apreciava muito os livros, não. Como morava em cidade do interior, minha preferência era brincar na rua até tarde, sem hora para voltar. Ou melhor, tinha que voltar quando ouvia aquele chamado: “Caliana, vai dormir na rua hoje? Tem escola amanhã!”. Esse era o sinal de dar um até logo aos amigos, tomar um banho e lavar bem os pés. Que tempo bom…
Só que hoje consigo ver que poderia ter divido meu tempo de criança com outros amigos e ter ainda mais histórias para contar. Poderia ter feito também amigos-personagens, vivendo tantas outras aventuras mais. Confesso que se eu pudesse voltar no tempo, levaria o livro para brincar comigo, na rua mesmo. Faria dele algo mais presente na minha vida. Fico aqui pensando o porquê desse meu “desinteresse” pelos livros naquela época. Talvez não tenha sido apresentada a eles de maneira interessante, talvez achasse esquisito todos eles lado a lado nas bibliotecas e não visse muitas pessoas lendo ou, ainda, eles podem ter sido esquecidos mesmo, diante de outras atividades que eu vivia na infância.
Agora que contei um pouco sobre minhas (não) vivências com os livros quando pequena, preciso compartilhar um segredo que há por trás disso tudo. Preciso confessar que aprendi a ler com meus alunos. Sim, são eles os responsáveis por eu gostar tanto de literatura hoje em dia. São eles que me fizeram descobrir o prazer de conhecer personagens, de viver aventuras, de apreciar poesia. Hoje em dia, o prazer de ler toma conta de mim de uma forma que nunca imaginava e a culpa é toda deles e dessa escola que tanto amo!