Bruna Braga Silveira (*)
Em uma dessas manhãs, meu filho, que está descobrindo o mundo e encantado por brincadeiras de achar e esconder, encontrou meus livros e cds, em uma parte do armário da sala. Eis que, após explorar os meus tesouros com a minha supervisão – é claro -, me entrega um exemplar de Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire. Eu sorri. Meu filho também.
Ele voltou às suas descobertas e eu abri o livro, saudosa, lembrando de quando pedi para minha mãe comprá-lo. Eu, na época, estava no final de meu primeiro ano de faculdade e ainda não tinha completado os meus tão esperados 18 anos. Mas aquele livro me pegou. Nem sei quantas vezes o li e o mencionei em meus trabalhos acadêmicos. Ele sempre fez muito sentido para mim. Depois dessas lembranças, olhei novamente para o livro com carinho e atenção, e descobri, na última página, a citação que usei em meu trabalho de conclusão de curso, uma frase de Rubem Alves, que diz assim: “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais” (**).
Ah, a palavra! Tão cheia de sons, sentidos e significados! Palavra, unidade da língua escrita situada entre dois espaços em branco. Palavra, que se projeta em nossas mentes em cores, gestos, imagens e cheiros. Palavra que acalma, dá força, encoraja e demonstra carinho. Quanto poder tem a palavra, podendo ainda significar que se assume um compromisso quando é dada, ou que se passa a vez quando é cedida. Ao se ensinar uma palavra, quanta responsabilidade se tem. Agradeço aos professores que cruzaram por minha trajetória escolar e pelas palavras que me ofertaram.
A palavra é o instrumento do professor: ela evoca, convoca e convida a pensar. O professor, com sua palavra, não é entretenimento, mas leva ao riso, ao encantamento e à reflexão. A palavra do professor acolhe, alimenta e torna leitor. Palavra é poesia. É presente. É potência. É ponte. O que parece óbvio para o adulto não é óbvio para uma criança que constrói conhecimento e se desenvolve a partir de suas experiências e observação do mundo. Por isso, é importante munir as crianças de histórias, poesia e universo simbólico; dar bagagem emocional e existencial a elas – e isso acontece através da palavra do adulto.
As crianças se apropriam da palavra através das experiências vividas e compartilhadas, e com elas constroem sua existência. Na infância há, especialmente, as brincadeiras, as histórias, as cantigas, as investigações e a construção de vínculos e relações. O professor, ao oferecer sua palavra às crianças, torna-se parte de uma rede de relações de poder que formam suas subjetividades. Que poder tem a palavra do professor!
Palavra é alimento e conduz a criança em seu desenvolvimento. Ela tem força e, por meio dela, se constroem memórias afetivas. Palavra é ponte para o afeto, para a escuta sensível, para o encantamento pela literatura e pelo aprender. Palavra é resistência, é o não se calar porque sempre há um outro ponto de vista. A palavra do professor dá voz ao protagonismo de cada criança para, juntos, construírem uma narrativa coletiva. Pensar a infância como uma crítica constante da adultez permite ao professor que ele se reinvente, reflita sobre sua prática e sobre a importância das palavras que irão atravessar a infância de cada criança.
Ao encontrar meus tesouros no armário da sala, meu filho provocou em mim epifania. Talvez eu já acreditasse em todo o poder que a palavra do professor tem, mas foi nessa ocasião que vivi essa reflexão de forma intensa e emocional. Nós passamos aquela manhã assim: explorando e brincando com meus livros e cds, compartilhando risos e sorrisos e alimentando-nos de palavras, envoltos pelo afeto que construímos em nosso cotidiano.
(*) Professora do Grupo 5, na educação infantil da Projeto.
(**) Em “A alegria de ensinar”, 3ª edição, Ars Poetica Editora LTDA. 1994.