Cristine Zancani (*)
Até pouco tempo atrás, a gente tinha uma única cor de lápis que representava cor de pele. Então, a gente naturalizou que a cor da pele certa era aquela. Muitas gerações passaram a vida sem ver/viver representatividade: na programação da TV, na literatura, ao redor, na caixa de lápis. Quando via, era uma representação equivocada, porque a voz que dizia as outras cores não vinha da voz das outras cores. Muito mais grave que isso: era a voz que, geralmente, reforçava o preconceito. Alimentava o racismo. Não que essa realidade tenha mudado para merecer o tempo verbal no passado que insisto em usar – infelizmente, ela está longe de mudar, mas cabe a cada um de nós refletir sobre ações que encaminhem essa mudança.
Escrevo este texto não com a propriedade de quem vive o racismo e o preconceito na pele, mas como alguém que tem ouvido a voz de quem vive o racismo na pele e que, educando uma criança, pretende que ela não reproduza o preconceito, nem naturalize tantas coisas que foram naturalizadas pela minha geração – e que a falta de representatividade, com certeza, ajudou a naturalizar. Escrevo este texto para, a partir de uma experiência concreta, pensar no impacto de um imaginário alimentado desde cedo pela diversidade de tons, pela diversidade cultural.
Quando a Clara estava no primeiro ano da escola Projeto – em 2016 – a turma dela estudou as brincadeiras africanas; leu contos africanos; conheceu histórias da literatura contemporânea escritas por autores e autoras negros/negras (ela está no quarto ano e isso segue acontecendo – falo aqui no primeiro ano porque vou contar uma história pontual acontecida lá). Devo mencionar que leem e estudam a riquíssima literatura indígena também. Ao lado disso, todos os desenhos que as crianças fizeram/fazem foram/são coloridos com a caixa de giz de cera que reúne vários tons de cor de pele – UNIAFRO tons de pele – surpresa maravilhosa na lista de materiais. No final do ano, na atividade de encerramento (aviso de spoiler para quem tem filha ou filho no primeiro ano), as crianças ganharam um/uma boneco/boneca de pano que reproduzia perfeitamente a ilustração de uma história criada por cada uma delas. Na história da Clara, a protagonista era uma menina negra. Pergunto para vocês: será que isso aconteceria não fosse o ano letivo que ela teve e a gama de cores que pintaram os desenhos dela?
Anos depois, em uma atividade em que as crianças teriam que criar um autorretrato, três crianças brancas se desenharam como negras. Quanta coisa bonita dita no traço desses desenhos… Teriam sido feitos em uma escola onde representatividade não fosse ponto de partida e de chegada?
Dia desses, ouvi uma fala da Elisa Lucinda em que ela menciona que a gente se habituou a frequentar vários espaços onde não se vê nenhuma pessoa negra – sem se questionar sobre desigualdade e segregação. Se tivéssemos sido educados com – e para – a diversidade cultural e de tons, isso aconteceria?
Que as famílias tomem para si a tarefa de repensar/mudar isso, que a escola tome para si a tarefa de repensar/mudar isso (colorindo e enriquecendo a bibliografia estudada pelas crianças), que a caixa de lápis de cor escolhida pinte muitas cores de pele, que nosso autorretrato revele que nosso olhar é o olhar da igualdade.
(*) Cristine é mãe de aluna da escola, doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS e professora convidada do Curso de Especialização em Literatura Brasileira da PUCRS.