Rubem Penz
“O que você quer ser quando crescer?”
Quantas e quantas vezes uma criança escuta essa pergunta – e como ela dá vazão para os sonhos e fantasias. Também ensina os adultos que, na simplicidade das respostas, tarefas consideradas menores podem ser o ideal de quem ainda não foi contaminado pela hierarquia social. Porém, o que raramente é percebido com ouvidos atentos é o fato de a criança já ser, naquele momento, o que ainda será. Explico.
Diferentemente das fantasias de ser bombeiro, enfermeira, chef de cozinha ou qualquer profissão estabelecida, no dia a dia as crianças demonstram aptidões e pendores. O famoso jeito para a coisa, um talento inato para matemática, esportes, arte. Liderança, empatia, calma. Facilidade para trabalhar em grupo ou desejo de fazer tudo sozinha, no seu tempo. São habilidades úteis para as mais diversas carreiras e que, de alguma forma, deveriam compor o manancial de autoconhecimento responsável pelas escolhas futuras. Deveriam? Por que a dúvida?
Eis a questão: enquanto experimentam-se, os pequenos recebem dos adultos tutores – pais, professores, avós – mensagens de estímulo e de freio. Todo reforço positivo assenta na parede do talento um tijolo novo, enquanto o desestímulo retira. Mais tarde, no momento de escolher a carreira profissional, são essas paredes que moldarão a vida, estruturarão as opções. Aliás, esta é uma das maiores tragédias brasileiras: na base da pirâmide social, a falta de uma vivência educacional mais sólida sequer oferta tijolos, e o resultado é o desperdício absurdo de talentos. Vivemos, sim, a maior crise de oportunidade de todos os tempos.
Quando digo que nossa escuta precisa estar atenta, refiro-me a isso: estarmos vigilantes às mensagens e mandar as respostas certas. Nem sempre elas apontam para nosso desejo adulto (eu sei o que é melhor para meu filho, aluno, neto). Porém, vivemos um momento em que as ditas “profissões tradicionais” estão em xeque, e no qual os caminhos alternativos podem ser o grande filão de prosperidade. E, cá entre nós, independentemente do caminho escolhido, terá mais êxito (trará mais realização e felicidade) a missão para o qual parecemos ter nascido a cumprir.
Antes de finalizar, e para amenizar um pouco o peso desta responsabilidade, vale uma observação: não poucas vezes as crianças constroem paredes ocultas com tijolos a priori descartados pelos adultos. Será quando, na juventude, irão rebelar-se contra o caminho “sonhado” para elas e, como que do nada, tomarão decisões opostas e surpreendentemente maduras. Mas só os mais audaciosos terão essa coragem (outros precisarão de mais tempo, uns jamais conseguirão). Para ter confiança de estarmos ajudando, basta pensar que elas, ao crescerem, serão elas mesmas. E isso, vejam bem, elas já são.