Artur Gomes de Morais
Num mundo cheio de tablets, notebooks e smartphones, nossas crianças tendem a conviver com a escrita e com textos escritos muito cedo e diariamente. Isso é algo natural e inevitável e, como só avança, nos faz pensar sobre como assegurar, durante a etapa de Educação Infantil, os tempos e os espaços para as brincadeiras e outras formas de expressão que não dependem, necessariamente, de “tecnologias digitais”. Nesse contexto, muitos educadores e pais se preocupam – e com razão – em lutar para garantir que os pequenos continuem tendo direito à velha e livre expressão, que passa pelo pintar (e se pintar), dançar, cantar, brincar com terra, brincar de teatrinho etc. Formas de existir e estar no mundo que sempre foram próprias da condição de ser criança.
Também concordamos com essa cruzada e ficamos muito preocupados em ver que, ao lado da perda (ou redução) de oportunidades para viver aquelas formas mais livres de expressão, muitas crianças têm sido precocemente iniciadas num rígido processo de aprendizado da escrita alfabética, nos mesmos moldes repetitivos e pouco prazerosos que tínhamos décadas atrás.
Sim, de norte a sul do país, vemos que algumas escolas, tanto privadas como públicas, continuam praticando um ensino que não só visa a “treinar” os pequenos para a alfabetização (através, por exemplo, de mecânicos exercícios de coordenação motora, em que se cobrem pontinhos ou letras são copiadas), mas insistem em “transmitir lições” sobre o valor sonoro das letras, ensinando coisas como “LA-LE-LI-LO-LU”, típicas dos velhos métodos sintéticos, que tanto criticamos desde os anos 1980. A transferência da antiga “série de alfabetização” para o primeiro ano do ensino fundamental, quando a criança completa seis anos, parece ter levado certas escolas a quererem “alfabetizar à força”, quando os aprendizes têm ainda quatro ou cinco anos!
Contra esse despropósito, pensamos que é possível e necessário garantir a nossos meninos e a nossas meninas uma convivência prazerosa com o mundo dos textos escritos e com o mundo das palavras e das letras que as formam. Afinal, sabemos, também desde os anos 1980, que o avanço gradual para a condição de alfabetizado envolve dois “domínios de conhecimento”.
Por um lado, vemos que, participando de “rodas de leitura”, desde os três ou quatro anos, a criança vai aprendendo a compreender e a escrever os textos escritos do mundo (histórias, convites, instruções de jogos etc.) com que se depara nos livros, nas revistinhas e nos tablets, condição necessária para um dia poder estar plenamente alfabetizada.
Por outro lado, sabemos que, para compreender como as letras funcionam, o aprendiz precisa desenvolver uma atitude reflexiva diante das palavras. E que isso pode começar cedo, quando, em lugar de pedirmos que “cubra letrinhas”, lhe propomos brincar de colecionar palavras que começam parecido ou de descobrir palavras que rimam.
Uma convivência curiosa e prazerosa com os textos e as palavras do mundo faz com que muitas crianças concluam a Educação Infantil já escrevendo palavrinhas que conseguimos ler. Ou demonstrando que avançaram muito na compreensão das letras, quando, por exemplo, nos mostram que, colocando (no tablet ou na folha de papel) as letras I O E, fica escrito… picolé.
O legal é quando vemos que se engajam nessas “explorações” com o mundo da escrita ao mesmo tempo em que adoram brincar com areia ou tomar banho de mangueira, jogando água para todo lado.