Celso Gutfreind (*)
Mãe é mãe, pai é pai. Livro é livro, filme é filme. Mas a mãe precisa do pai e vice-versa, assim como, ao contrário do senso comum, um livro pode dar um bom filme, desde que cada um se dedique à sua linguagem. Pai e mãe como figuras também são linguagens diferentes. Sustentam-se, imprescindíveis, escutando-se, e um fazendo o outro (a outra) dizer. Precisamos dizer.
É o que mais me ocorre, diante do recente filme Rosa e Momo, ou La vita davanti a sé, de Edoardo Ponti, com a materna e exuberante Sophia Loren, no papel de Rosa, a protagonista. Baseado no livro homônimo de Romain Gary (ou Emile Ajar, seu pseudônimo), recentemente relançado pela Todavia.
Há um mundo em cada filme e livro – em cada mãe e pai -, mas venho aqui para editar um aspecto, a meu ver responsável pela obra inteira de todas as vidas: a mãe. Momo, um pequeno órfão, vive aos cuidados do Dr. Cohen, que, apesar da firmeza e da ternura, já não pode lidar com ele. É quando, sabiamente, o “entrega” para Rosa, uma sobrevivente de Auschwitz, que vive de cuidar de crianças cujas famílias não podem fazê-lo.
Aí é que está! Rosa está velha, começando a padecer de um processo irreversível de demência. Mas guarda um ímpeto materno, pelo menos o suficiente para fazer um vínculo com o pequeno Momo. Um vínculo basta, desde que materno, pelo menos no começo, para depois continuar. E, assim como ele adia o fim dela, ela consegue tirá-lo da delinquência, depois de salvá-lo de um vazio sem vínculo materno. Rosa fisga o que o menino pôde ter de mãe nos seus primeiros anos, preservado nos seus devaneios com uma leoa (e não um leão) que lambe o seu rosto, único momento em que a criança consegue rir e relaxar, o que fará, pouco a pouco, com a realidade de Rosa.
Rosa é pungente. Sophia Loren, também. Preserva a beleza de mulher e mãe, em meio à passagem do tempo. As suas rugas compõem uma história triste, mas não a ponto de apagar a alegria de continuar a viver. E encontrar. E cuidar. As rugas contam e a disponibilizam para uma nova história. Rosa resgata Momo. E Winnicott, o psicanalista maternal e poético, tão criticado injustamente por ter alçado a mãe ao primeiro plano. Mas, nas suas entrelinhas, nunca expulsou o pai. Pelo contrário: tal qual a intuição do Doutor Cohen, mostrou que este pai é fundamental: no começo, para garantir a mãe (e a leoa), a fim de oferecer-se como modelo para um futuro leão (ou leoa) para sempre.
As escolas infantis e as editoras para crianças sabem disso, através de suas obras e de suas professoras, essas Rosas sempre dispostas a se oferecerem para manter acesa a chama vital de cada Momo e Moma.
(*) Pai de ex-aluna, psicanalista e escritor, tem colaborado com este blog desde o começo, em maio de 2016.