Aqui na Projeto, a decisão de onde sentar, com quem dividir tarefas e interagir, não é nem um pouco arbitrária, pelo menos a partir de certa idade. É pensada, avaliada e decidida pelas próprias crianças, com critérios que vão muito além de afinidades no simples ato de brincar. Quer saber como? A gente explica tudinho por aqui.
Se deixar por nós, e falamos “nós” porque é uma tendência que se prolonga até a vida adulta também, acabamos sempre envolvidos com os nossos grupos de amigos em todas as esferas da vida. É o que muitos chamam de “panelinha”, e, nesse sentido, a escola tem muito a ajudar para a abertura desse círculo.
“Um dos objetivos é mostrar para as crianças que todos os colegas têm algo a contribuir em um projeto ou trabalho em sala de aula. Às vezes, aqueles que não têm muitas afinidades no pátio podem se dar muito bem na hora de preparar a apresentação de um trabalho ou ler juntos na biblioteca. Queremos que elas, cada vez mais, se disponham a pensar em novos nomes a fim de experimentarem a possibilidade de trabalhar com novos colegas. Isso é fundamental para a vida inteira”, diz Beth Baldi, diretora pedagógica da escola.
Para deixar bem clara a importância dessa prática na vida escolar e na contribuição para uma educação voltada à compreensão do mundo e à formação cidadã do estudante, a Formação de Grupos é escrita assim, com letras iniciais maiúsculas. Além do nome, está inserida dentro do programa curricular de forma permanente, com calendário prévio aprovado para ocorrer e com uma proposta bem lúdica a fim de ser facilmente compreendida pelos alunos em sala de aula, ao mesmo tempo que bem séria, pois aposta nas capacidades das crianças de enfrentarem e resolverem conflitos. Até porque estão respaldadas e acompanhadas por adultos preparados para auxiliá-las nisso.
A cada mês e meio, mais ou menos – depois de um período de convívio, se a turma é nova ou tem vários alunos novos -, as crianças são convidadas a escrever no papel três nomes de colegas: aquele colega com o qual gostaria de aprender algo, aquele para o qual quer ensinar algo e, por último, aquele com o qual se dá bem. Os mais votados pela turma inteira tornam-se os coordenadores de grupo. Seguindo os mesmos critérios, eles passam a chamar para seu novo grupo os colegas com os quais querem aprender, ensinar ou se dar bem. A cada novo entrante, a decisão passa a ser compartilhada, até que o grupo esteja completo. Os últimos alunos escolhem o grupo do qual querem fazer parte, em vez de serem chamados como os anteriores.
Cada criança chamada pode aceitar ou não o convite, justificando sua resposta, assim como o grupo escolhido por uma das crianças que tem essa chance também pode recusar sua entrada. Por exemplo, uma criança pode dizer que não aceita fazer parte do grupo que a chamou porque já trabalhou muitas vezes com aqueles colegas e gostaria de experimentar outras parcerias, porque sabe que com tal colega ela não se dá bem ou não consegue trabalhar, ficam só brincando ou porque não gosta da atitude de tal colega; ou, então, pode dizer que aceita, porque gostaria de trabalhar com fulano que ali está, porque pode ensinar tal coisa ao ciclano, aprender tal outra com beltrano etc.; e ainda algum grupo pode recusar a entrada de alguma criança que o escolheu, dizendo que ela não trabalha bem ou que faz bagunça, não colabora etc. Todas essas respostas de fato já foram dadas pelas crianças e mais outras tantas, quase sempre surpreendendo, mesmo aos professores.
Nesses momentos, sendo a resposta positiva ou negativa, a professora coloca em discussão as questões trazidas, devolvendo-as ao grupo (estão de acordo? Isso realmente aconteceu/pode acontecer? Quando viram isso acontecer? Por que será que aconteceu? Etc.) e incentivando-as a formularem algum acordo em relação a elas, buscando implicar a todos da turma e do grupo (o que poderíamos fazer para resolver/melhorar essa situação? Como poderíamos ajudar fulano? O que poderíamos aconselhar ao colega X ou Y? O que o grupo X poderia fazer para aceitar e dar uma chance ao fulano? E com que o fulano deve se comprometer pra que o grupo X o aceite?) e fazê-los vislumbrar sempre possibilidades de reverter determinada situação, de transformar maneiras de se colocarem, organizando novas chances de avanços para todos.
“É um grande aprendizado e demanda tempo, tanto na própria formação, como em termos de duração do grupo que se forma. Não dá para construir um grupo em pouco tempo, por isso a duração mínima dessas formações é de 1 mês em meio a 2 meses. É necessário tempo de investimento para aprimorarem as formas de trabalho em conjunto, para se conhecerem melhor e se alinharem. O mais rico da experiência é cada um entender as suas responsabilidades dentro de uma estrutura coletiva diversa, que amadurece junto e que também muda. Muito parecido com a vida, não é?”, completa Beth.
Quem já acompanhou uma formação de grupos numa turma de 3º ano, por exemplo, sai com a alma lavada ao testemunhar a seriedade com que as crianças estabelecem laços de trabalho e assumem a responsabilidade de suas atitudes coletivas em sala de aula. Mesmo que o drama seja se balançar ou não na cadeira e correr risco de cair, como salientou Alice, da Turma 32, ao chamar o nome da colega para seu grupo, na última formação, quando foi coordenadora:
“Eu escolho a Elena, ela é uma ótima parceira de trabalho e ela me ajuda sempre a lembrar que não posso ficar me balançando na cadeira porque é perigoso e posso me machucar. Com ela por perto, eu sou mais cuidadosa e consigo estudar melhor. Eu também ajudo ela a não se balançar”.
Inspirador, não é?