Rubem Penz
Quantas e quantas vezes subestimamos nossas crianças imaginando não serem malandras, inteligentes, adaptáveis. Muito ao contrário! Por exemplo, diante de uma mesma situação – quem sabe um brinquedo deixado no chão? –, os pequenos juntam e guardam (ou não) caso estejam em casa, na escola, na avó ou na dinda. Eles leem o ambiente, absorvem as regras, identificam os limites para, a seguir, tocar a música conforme a batuta do maestro. Vale o mesmo para estudos, refeições, jogos, hora de dormir, tudo.
Lembrei disso por causa de uma polêmica recente a qual implica duas mulheres em uma troca muito deselegante de mensagens. Resumindo a contenda tornada pública, uma criança em visita à casa de outra foi proibida de mexer em um brinquedo de coleção (coleção da mãe, diga-se) e voltou chorando. A outra mãe, contrariada, considerou o veto prejudicial ao bem-estar de seu rebento. Pouparei a todos dos detalhes pois, aqui, tentarei eximir-me de juízo de valor ou sobre com quem estaria a razão. O que mais interessa é pensarmos quão claros estão os limites a serem respeitados por todos, inclusive adultos, quando se é visita.
Adorava receber os colegas dos filhos em casa. Também despachar as crianças para visitarem os amigos – inclusive para dormir. Parênteses: durante a infância, minha mãe foi muito severa e vetou nossos planos de pousarmos na casa dos outros e vice-versa (minha primeira vez foi só aos 14, numa ida a Torres). Porém, os meus jamais saíram de casa sem ouvir recomendações explícitas: obediência aos adultos responsáveis, modos à mesa, cuidado redobrado com as coisas dos outros. Da mesma forma, nunca deixamos pouco claras as regras aqui de casa para os visitantes, fossem simpáticas ou não. E tudo deu certo.
Quer dizer, 90%… O saldo é positivo.
Todavia, em tais momentos nossa escuta sempre esteve atenta, a prudência redobrada. As crianças são colegas, vão se encontrar todos os dias, acabarão falando sobre as coisas acontecidas com a turma, com pais e professores – um ambiente contamina os outros. Tal cuidado também deve nortear a relação dos miúdos com parentes e vizinhos (a menos que tenhamos planos de mudar o endereço). Para chover na enchente, não vivemos numa bolha.
Voltando ao começo da crônica, jamais se deve subestimar a adaptabilidade dos pequenos: com limites explicados e cordialidade preservada, a margem para acidentes de percurso diminui. O visitante já experimenta diferentes regras em sua vida e sabe acomodar-se. O perigo é desautorizar quem tem a obrigação de exercer autoridade: são os adultos os maestros diante da orquestra. Depois, se não foi bom – e bem pode não ser –, basta lamentar na intimidade da consciência e evitar que a má experiência se repita. De preferência sem atrito, real ou virtual. Pior do que o comportamento da criança foi o dos adultos, penso eu.
É bom lembrar: o bom anfitrião costuma dizer “sinta-se em casa” para quem chega. A boa visita sabe que não deve levar o enunciado ao pé da letra.