Maíra Suertegaray Rossato (*)
Uma das coisas que a quarentena me trouxe foi a dificuldade para dormir. Tenho dormido pouco, às vezes, como aconteceu hoje, acordo bem cedo e, na cabeça funcionando sem parar, começam a surgir ideias.
Hoje amanheci pensando sobre a minha profissão, sobre ser professora, especialmente nos dias atuais. Acordei pensando nos professores da Dandara e da Anahí e, por isso, este texto também é um agradecimento para esses professores do Colégio Marista Rosário e da Escola Projeto, e a toda equipe pedagógica.
Ser professor não é tarefa fácil, ainda mais nos dias de hoje. Nunca foi, na verdade. Lembro que esta não era uma opção para mim, ela surgiu muito mais no vamos ver o que acontece, do que por um desejo. Mas acontece que aconteceu! Tornei-me professora, estou sempre aprendendo a ser e adoro o que eu faço. Sabemos que não é sempre maravilhoso, mas é incrível! É incrível o contato com os estudantes, o carinho que demonstram ou até mesmo aquele carinho que demora a aparecer. É incrível ver a descoberta, a curiosidade despertada, a indignação suscitada nas discussões e debates em sala de aula. É incrível ver a transformação dos estudantes ao longo de um semestre, de um ano. Isso, para mim, é o mais lindo do ser professora! E isso nos foi tirado neste momento, especialmente a parte mais legal: a do contato, do abraço, da conversa na sala, da escuta, do resmungo… Nos foi tirado.
Os professores e professoras agora são levados a repensar suas aulas para adequá-las ao trabalho remoto. Como fazer isso? Muitos estudantes não têm acesso à internet, não têm o que comer. Muitos professores não têm acesso à internet, não têm o que comer. A realidade de estudantes e professores é diferente em todo o país. “Mas o importante é o ENEM! É o vestibular!” Não! Esse não é o pensamento e o sentimento dos professores. Os professores estão preocupados com seus alunos, especialmente agora, à distância.
Estamos nos refazendo enquanto profissionais e também enquanto pessoas (esperamos). Tenho visto os professores das minhas filhas, fazem das tripas coração para motivá-las à aprendizagem. Mesmo em suas casas, tendo que cuidar e dar atenção às suas famílias, eles vão para frente do computador/celular e fazem as suas aulas, descobrem novos instrumentos, desdobram-se em diversos grupos de WhatsApp. Vejo os professores de Educação Física empenhados em trazer o movimento para alunos que passam boa parte dos dias atirados sobre o sofá. Como ser professor de áreas que necessitam movimento e interação? Vejo a professora de Artes bolando atividades lindas, mas sem conseguir acompanhar o processo de criação dos seus alunos. Vejo a professora de Matemática ensinando equação de segundo grau a alunos apavorados por nunca terem visto aquilo antes, usando PPTs e papeizinhos coloridos com uma paciência e um carinho que me comovem. Acompanho os vídeos gravados com belas músicas, com poesia, com jogos e brincadeiras para fazer com a família. Escuto as histórias socializadas, sento junto para fazer as atividades, afinal, a autonomia das crianças vai se construindo aos poucos, nem todos se viram bem sozinhos na frente do computador. Aliás, esta geração digital é ótima com o celular, mas o computador, para muitos, ainda é um mistério. Essas situações, que acontecem aqui em casa, repetem-se em várias outras. Que desafio! Tudo acontece ao mesmo tempo.
Ontem, vi uma turminha de crianças de 8/9 anos em sua primeira aula pelo computador. Eram uns 20 rostinhos sorridentes enfileirados em janelinhas, com a mão levantada, aguardando ansiosos pelo chamado da professora, aguardando o contato que lhes foi tirado presencialmente. Dói pensar nisto. Dói esta preocupação que temos dentro de nós e não temos como resolver.
No meu caso, vejo os relatos de alunos da EJA que precisam trabalhar para alimentar a família, que estão sem trabalho… Os nossos encontros no colégio eram momentos de troca muito importantes, um respiro num mundo cheio de atribulações: era o tempo de parar para aprender, para ouvir, para falar, para ler, para refletir. E esse tempo lhes foi tirado, nos foi tirado. Sei que muitos não conseguem sozinhos.
Essa preocupação me angustia e sei que angustia muitos colegas professores. Estamos aprendendo a lidar com isso, com essa nova forma de ser professores. Não sabemos o quanto vai durar, mas sabemos que a nossa prática será diferente, pois o mundo não será mais o mesmo.
Realmente espero que as coisas mudem, nossa relação com o mundo e com os seres deste planeta precisam mudar. Mas os nossos encontros precisam voltar, nossas trocas de olhares, mesmo que seja para ver aqueles olhinhos revirados quando não estão gostando da tarefa, nossas risadas, aquele burburinho típico de uma sala de aula.
Enquanto isso não acontece, seguimos por aqui, cada profe na sua casa, preparando as atividades, gravando aulas, respondendo chats e e-mails, auxiliando nossos filhos nas suas tarefas. Seguimos aqui, com o pensamento em vocês, queridos estudantes, procurando novas formas de nos conectarmos.
Por fim, reitero o que disse no início deste texto, quero agradecer aos professores das gurias, profes do Colégio Marista Rosário e da Escola Projeto. Obrigada por trazerem, por meio de suas palavras, o carinho e a preocupação para com elas. Obrigada pelos ensinamentos, mas sobretudo, obrigada por estabelecerem esse contato tão necessário a todos, tão precioso.
(*) Mãe da aluna Anahí/3º ano, professora titular de Geografia do Depto de Humanidades do CAP/UFRGS e do Programa de Pós-Graduação em Geografia.