Hoje é Dia da Consciência Negra, um convite para refletir sobre a real presença do povo negro na nossa sociedade. Você possivelmente vai abrir as redes sociais e encontrar dezenas de posts falando sobre a data, o que é ótimo. Mas você já parou para se perguntar se essas reflexões, discursos e ações acompanham o dia a dia de todos nós no resto do ano também?
Na Projeto, a presença negra importa sim e é por isso que o calendário escolar contempla diversas iniciativas que valorizem e aproximem a cultura do povo negro das crianças e das famílias, conferindo visibilidade e um lugar de fala que foi apagado e interditado ao longo da história. Quer saber como a escola tem se organizado para que essa reflexão aconteça, para além do convívio diário com pessoas negras, adultos e crianças, ocupando lugares diversos ? A gente mostra aqui:
#Presença negra na formação do povo riograndense
O estudo de ciências humanas nos 5ºs anos aqui da escola contempla um mergulho na formação do povo riograndense, bem como acontece com as turmas de 3º ano, ao se debruçarem sobre as origens de Porto Alegre. A presença do povo negro nessa formação, do Estado e da capital, faz parte desse projeto que busca trazer visão crítica, distanciando-se de idealizações históricas e encarando questões como injustiças sociais
que permanecem como uma triste herança do processo de escravidão ao qual esse povo foi submetido. É assim, por exemplo, que, além de elencarem as diversas contribuições do povo negro à cultura gaúcha, como a música, o vocabulário, a culinária, a capoeira, as crianças são convidadas a refletir sobre desigualdades sociais gritantes nos tempos atuais: como
diferença salarial e de renda, número de negros com acesso ao Ensino Superior, entre outros. Esse rico trabalho, apenas referido aqui, você pode conferir na íntegra na nossa revista virtual, Revista Por Dentro da Escola.
#Brincadeiras africanas
As turmas de 1º ano têm uma missão muito especial: criar um Manual de Brincadeiras. Pode até parecer pouca coisa, mas, aqui, na Projeto, não é. Por trás dessa compilação de atividades lúdicas, existem os saberes de outros povos norteando o trabalho, de modo que alunos e alunas possam conhecer a concepção do brincar em culturas diferentes. É o caso das brincadeiras africanas. As crianças pesquisam sobre essa temática na África, descobrem as origens de muitas atividades que já fazem parte da rotina delas, incorporam outras, têm a oportunidade de conhecer a perspectiva da infância em outra cultura, registrando as descobertas em um manual escrito e compartilhado com outras turmas e com a escola, de maneira geral.
#Ouvir quem entende do assunto
Quando falamos em “lugar de fala”, podemos sim pensar nessa prática também na educação para crianças. Considerar a fala que vem de outras culturas, valorizando seus saberes e estranhando algumas práticas acomodadas num determinado modo de pensar é uma importante prerrogativa da escola. É por isso, por exemplo, que costumamos reunir as turmas para conversar com pessoas de dentro da escola ou com convidados, de origens diversas, buscando conhecer o que elas têm a nos ensinar.
Com a questão da cultura africana não é diferente. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o senegalês Bamba Toure. Casado com uma brasileira e morando no país há 4 anos, Bamba, que é técnico de automação, é convidado frequente pela escola para contar o que a palavra liberdade representa para o seu povo, que foi escravizado. É sempre uma honra poder ouvir essa história do ponto de vista do que o Bamba apresenta. Achamos que é uma oportunidade e tanto para cada um de nós, adultos e crianças.
Além de visitas como a de Bamba, a escola também promove outros encontros que merecem destaque, como o que ocorreu em outubro. Como parte das comemorações do Dia das Crianças, convidamos a arte-educadora Silvana Taquatiá para fazer uma oficina de bonecas Abayomis, que, em Iorubá, significa “encontro precioso”. Essas bonecas são um marco na história da resistência da mulher negra ao regime de escravidão. Conhecemos algumas versões da história dessas bonecas, mas a que mais nos mobilizou remonta ao período em que, dentro dos tumbeiros, pequenas embarcações que faziam transporte de negros escravizados, mães acalentavam seus filhos fazendo bonecos com retalhos rasgados de suas saias. Um modo de não apagar a memória dessa relação, tendo em vista que não se sabia o destino dessas mães e das crianças ao chegarem aos portos. Um modo lindo, carinhoso e poético de encarar uma situação tão perversa e triste.
#Arte da comunidade negra
É fato. Por anos e anos, as crianças têm acesso majoritário a uma arte feita pelo homem branco de origem europeia, como se música, poesia e outras manifestações artísticas devessem seguir sempre um cânone que não contempla produções periféricas e de povos originários ou escravizados. Portanto, pensar a consciência negra é também aumentar a presença da arte negra em sala de aula. Dessa forma, a escola mantém parceria fixa com o Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, um espaço cultural e comunitário que busca desenvolver ações que integram arte, cultura, cidadania e economia solidária. Além de a comunidade se aproximar da sala de aula, também levamos nossos alunos ao Quilombo do Sopapo, apresentando para as crianças fazeres da arte popular, ensinados por quem preserva suas origens e sua cultura. É uma maneira de articular ações que contemplem um olhar menos elitista e voltado para a construção de uma sociedade mais rica, diversa e plural. Além do Quilombo do Sopapo, também enxergamos nossas Sextas e Sábados culturais como formas de divulgar arte de fora do eixo já privilegiado, como ocorreu este mês com a Ocupação Poética na Projeto, por meio das poetas do Coletivo Quilombelas, da Restinga, e sua fala potente contra racismo e violência sofridos pelo povo negro, bem como oferecendo às crianças sessões de cinema, exposições, espetáculos de teatro e música que contemplem a perspectiva do povo negro em suas produções.
#Muitos tons de pele, muitos tipos de cabelos, princesas de todas as cores
No universo infantil, as questões do racismo também podem aparecer em situações das mais pueris, como na hora de colorir um desenho, escolher uma boneca para representar uma princesa ou mesmo comparar cabelos diferentes na sala de aula. Todos esses momentos são oportunidades de promover a consciência negra, mesmo fora do calendário, e até de prevenir preconceitos. A Projeto, por exemplo, foi uma das escolas pioneiras em adotar o giz de cera de diversos tons de pele e levar para a sala de aula a oportunidade da criança se enxergar no tom de pele dela, ou o mais próximo a ela, ou mesmo ampliar as possibilidades de representação de figuras humanas mais diversas. Também por aqui, criamos, em julho deste ano, o Projeto Cabelos. A partir da visita do Grupo 4 à exposição Cabelos Negros, da Lia Menna Barreto, na Bolsa de Arte, a turma passou a pesquisar, em agosto, os diferentes tipos e cores de cabelos que existem, de que modo essa diversidade fala de quem somos, da nossa história e das nossas origens, de misturas que nos fazem tão parecidos e, ao mesmo tempo, tão diferentes. Essa experiência trouxe impacto positivo no acolhimento à diversidade e na valorização da diferença, como o que temos em comum. Uma outra atividade enriquecedora aconteceu nos estudos sobre contos de fadas das turmas do 2º ano, que acabou ganhando a visita de Maíra Rossato, professora, escritora e mãe de Anahí, da Turma 23, que escolheu um livro sobre uma princesa negra para a hora de contação de histórias. Também a avó da Anahí, Terezinha Juraci, esteve na escola para contar histórias pessoais e para falar sobre aspectos da cultura africana para turmas de 1º e 2º anos.
A gente sabe que tem muita coisa ainda por fazer. E estamos atentos a isso. Portanto, toda ideia é bem-vinda. Conta para gente: que outras iniciativas podemos acolher a fim de estimular a consciência negra na escola não somente para o dia de hoje, mas para todos os dias?