Rubem Penz
Todos conhecem a fábula da águia e da coruja, mas não custa relembrar. Por serem ambas de rapina, as colegas conversam e a coruja pede à águia que poupe seus filhotes quando for caçar. “Mas como vou reconhecê-los”, pergunta. E a coruja responde que será fácil: “São os filhotes mais lindos, biquinhos perfeitos, rica plumagem”. Mais tarde, ao ver o ninho revirado e vazio, a coruja procura a águia para tomar satisfação: “Não havíamos combinado que irias poupar meus filhotes?”. A águia diz que sim, e que apenas comera uns bichinhos horrorosos, sem bico, disformes e com os olhos fechados. “Mas eram eles os meus filhos!”, lamenta a pobre coruja.
Desta história nasceu o termo “mãe coruja”, e nada impede que também seja aplicável a um pai. São pessoas que se deslumbram com suas crias e, nelas, veem apenas virtudes. Seus filhos são os mais inteligentes, os mais meigos, honestos e belos. Inatacáveis. Deles nada se pode apontar, criticar, muito menos condenar. Nasceram de um amor sublime e, dele, hão de servirem-se para todo o sempre. Diga-se de passagem, isso é muito natural e esperado – eu mesmo me flagro em flagrantes atos “corujistas”. O problema é, como sempre, a medida.
Pois é na sutil medida que pode estar o êxito e o descompasso na educação dos pequenos. A cegueira da mãe da fábula, em detrimento de um julgamento ao menos realista, resultou na morte de seus filhotes – um castigo para lá de severo. Moldar caráter, definir limites e temperar a vida com doses de humildade podem servir de antídoto para tal destino infeliz. E começa com a aceitação da falibilidade humana – nossa, deles (das crianças), de todos. Não quero dizer que nossos filhos, caros leitores, sejam horríveis. Aliás, lindos são! Apenas creio não serem príncipes e princesas da floresta, herdeiros de uma glória digna de mães leoas. E, para ficar nas imagens zoológicas, é quando a coruja vira leoa que a porca torce o rabo.
Nas reuniões de pais, por exemplo, leões furiosos exaltando a majestade (irreal) dos filhos talvez mais os desprotejam do que os preservem. Ao admitir que possam falhar, os pais concorrem para protegê-los de si próprios e das sequelas de uma educação sem limites. Educar nunca é iludir, crer numa perfeição ou superioridade. Já me penitencio reconhecendo que é mais fácil de falar do que fazer. Ainda assim, será mais fácil fazer reconhecendo. Xô, águia!
Que maravilha de texto! Tb penso assim e vejo nitidamente os tropeços de meus pequenos. Mas isso parece tão difícil pra maioria das mães (sim, sempre elas…)! E manter o equilíbrio…quando alguém descobrir a fórmula por favor divulgue! Ô coisinha difícil de se conseguir…