Caliana Zellmann (1)
Dia desses me deparei com um livro de título interessante: No chão da escola: por uma infância que voa, de Marcelo Cunha Bueno (2).
Tive certeza de nunca ler um livro com um título tão instigante. Chão, escola, infância, voa… palavras que se destacaram diante dos olhos. Foi uma leitura muito significativa. Tão significativa que resolvi compartilhar minhas percepções através desta escrita.
Quando se começa ou deveria começar a voar? O que de tão singular marca os voos de cada criança? Quais voos valem a pena? O que aprender com cada voo? A escola é um lugar de voos?
Algumas crianças com mais coragem, outras mais tímidas em alçar voo. Voos tranquilos, desafiadores, prazerosos, frios, quentes. Voos que ficam, voos que vão.
É mais ou menos assim que enxergo o começo. E conhecemos esse começo como infância. É lá que se aprende a querer voar. Infância é voo, mas também é chão. E o livro traz isso com uma delicadeza que surpreende.
Compreendi de maneira mais significativa que infância é afeto, é miudeza. E é isso mesmo. Ou melhor, é isso e muito mais. É viver de maneira bonita, é começar a aprender a ser gente, é se aventurar, é escutar sim e não, é também conhecer “quem manda”, é entender limites. É aprender que existe o tempo do relógio, mas também todos os outros tempos.
E como colocar isso tudo dentro da escola, já que a escola é um espaço que fica dentro do espaço da infância?!
Em um dos primeiros capítulos, chamado Porque é bom entrar na escola, o autor fala de um espaço de fazer sentido, de um espaço que muda a vida de todos envolvidos, que transforma. E eu, como professora, entendo que a escola é um território fértil para se fazer memória.
Todos temos lembranças dos tempos de escola. Dos conteúdos, dos professores, das relações que, por vezes, são conservadas ao longo do tempo. “Esse é meu amigo desde o tempo de escola…” Tão bacana!
Escola também é espaço das diferenças. É espaço de aprendizado do respeito, da compreensão, da paciência, do aprender a escutar, do aprender a ser mais empático com o outro. Algo que não é tão fácil assim, mas que depende muito desse espaço que a escola se torna (ou deveria) na vida das pessoas.
As relações com o outro e consigo mesmo vão se estabelecendo no dia a dia. E é também na escola, no convívio com a diversidade, que podemos buscar melhores maneiras de ser e de se estar com o outro. É na construção coletiva que se fazem pessoas. Escola e famílias se fazem melhores.
No livro, o autor traz uma reflexão importante acerca do papel de quem, para ele, é protagonista da escola, desse lugar tão rico das diferenças.
E como ficam os professores nessa história? Como se sentem as figuras mais importantes desse processo? Tudo vale mais do que nós, educadores. Os produtos, as marcas, as gôndolas, os apostilados, as metodologias, as atividades extras. Desvalorizados e esvaziados em sua essência. Despotencializados da autoria de seu trabalho. Desautorizados de serem sujeitos da ação educativa. Isso está errado. Somos nós, os educadores, que fazemos a escola funcionar. Somos nós os que colocamos em prática os currículos das escolas. Somos nós que deveríamos ser os autores das boas escolas. Não é? (BUENO, 2018, p. 22.)
Uma reflexão forte, mas que fica mais sútil se pensarmos que há muitos professores que já fazem a diferença na escola e nessa infância que voa (ou deveria). Falo com a certeza de que, diariamente, há professores que conseguem fazer – e isso não é tarefa simples, é algo a ser construído por cada um – as crianças voarem.
Não quero romantizar o papel do professor. O que estou trazendo aqui é algo que vai além disso, pois é importante lembrar de seus voos e perceber o quanto podíamos ter voado mais, pois agora, quem já fez seus voos é que ensina e faz voar.
Assim pensando, me pergunto: o quanto de sutileza tem no nosso olhar na sala de aula para esses aprendizes de voo? O que podemos fazer para que sintam desejo de voar? E a qualidade desse voo, como será?
Para mim, o fazer voar é recheado de afeto. E nos últimos tempos, tenho pensando muito no quanto a escola e a infância são lugares de dedicação a isso.
É incrível pensar que em cada voo pode haver uma grande quantidade de afeto. E quando falo em afeto, falo no sentido mais peculiar da palavra. Como é importante afetar as crianças e sentir-se afetado por elas. Como é bom construir um olhar generoso diante daqueles que crescem diante de nós. Mas como é bom também construir um olhar generoso pela profissão que faz o outro voar.
Desse jeito, generoso, mais do que nunca, tenho me sentido uma passarinha da infância. É e tão bom voar!
- Professora da Escola Projeto, atualmente com turma de 4º ano.
- Editora Passarinho, 2018.