Virgínia Veríssimo
Temos que acreditar que somos apenas um fio na grande teia da vida,
mas um fio importante, sem o qual a teia desmorona.
Daniel Munduruku
Nas conversas sobre quem seria o autor convidado para os estudos na escola, Daniel Munduruku já pairava sobre nossas mentes há tempos. Finalmente, neste ano de 2017, foi convidado para ter a sua obra estudada e desvendada, da educação infantil ao 5º ano.
As histórias indígenas, com seres encantados, povoaram as salas de aula. Respiramos ares de floresta. Pariwat (homem branco), curumim (menino) e cunhatã (menina) estiveram na boca das crianças e agora tinham significado para elas. Cobras, cotias, macacos e onças habitaram os desenhos. Professoras emprestaram sua voz para narrar o dia a dia na aldeia. O silêncio foi escutado!
No encontro com as famílias e o corpo docente, já lhe cobraram abraços. Mas não era assim que devia começar aquele encontro. Munduruku explicou logo em seguida que seu povo não é afeito aos contatos físicos. O cumprimento é olho no olho. E quando se pergunta xipat? (tudo bem?), é preciso responder a verdade! Muito mais constrangedor que um abraço!
Falou sobre o tempo, que é o tempo da natureza. Passado e presente representados pelos velhos, com suas histórias, e pelas crianças, que vivem o agora. Seu povo não sofre pelo futuro, nem por coisas pequenas, porque tudo é pequeno. Saudade não há na sua língua. Na aldeia ninguém é melhor que o outro, todos sabem fazer bem, tudo. Mas seu sábio avô o incumbiu de uma tarefa importante: levar a cultura Munduruku adiante e ele, que um dia se envergonhou de ser índio, palavra carregada de preconceito e desrespeito, estava numa sala lotada de pariwat. Atentos, hipnotizados com tudo o que contava sobre a sua vida.
As crianças, a mesma coisa: olhinhos vidrados no tornozelo com a cicatriz da mordida da cobra. A história era verdadeira! Disse que as histórias que ouvimos e gostamos vão direto para o coração! Contou que começou a usar roupa com nove anos, por causa da escola. Péssima experiência! O sapato, um número menor que o pé. No ritual de entrada na vida adulta, passou sete dias, sozinho, na floresta. Sentiu medo, fome. Enfrentou tudo. Foi criado para ser um guerreiro! Hoje é uma formiga gigante e guerreira. Suas armas são seus livros!
Mas o que tem de tão especial este brasileiro do povo Munduruku? A simplicidade de uma vida imersa numa cultura cheia de sentido. Suas palavras escritas e faladas carregam a força da história de seu povo e ele segue sua trilha, feito formiguinha que não desiste, Mundurukando quem encontra.
Munduruku: significa formiga gigante, formiga guerreira.