Cristine Zancani (1) e Fernanda Lantz (2)
Uma oficina nasce de amor pelo que se faz; nasce a partir de estudo; nasce de muita conversa – no caso de ser proposta em dupla; nasce de inúmeras mensagens trocadas; nasce de um ano de trabalho focado na literatura/leitura/formação de leitores(as); nasce de inquietações e – por último, mas não menos importante – de riso e prazer de estar e pensar juntas. Aqui no texto, vamos contar o percurso de criação de uma das novas oficinas que a Escola Projeto oferece: Vivências literárias no turno (in)verso.
Ano passado, nosso caminho profissional – que já se encontrou outras vezes – se uniu em um trabalho para uma editora. Nesse trabalho, aprofundamos juntas o estudo sobre a Base Nacional Comum Curricular (realizando uma leitura crítica); sobre literatura para crianças e jovens; sobre formação e mediação de leitores(as). Nesse trabalho, criamos módulos completos de abordagem do livro literário: do estímulo antes da leitura, passando pela leitura compartilhada e dialogada até chegar a atividades lúdicas, que explorassem os sentidos da obra em profundidade. Diante do resultado final, surgiu o desejo de fazer voar para além do papel tudo que refletimos e inventamos.
Percebemos, no entanto, que essa decisão de voo fazia eco com uma preocupação que tivemos e que ouvimos várias vezes ao longo da pandemia: quanto mais se alargava o tempo de tela, mais diminuía o tempo da leitura literária. Assim, os livros ficaram esquecidos em muitas casas, fazendo com que familiares de crianças e jovens, que antes tinham o hábito de ler, se perguntassem: vai ser possível recuperar o prazer da leitura? A resposta é sim, mas isso nem sempre se dá somente pela facilidade de acesso ao livro. É a realização sistemática de um conjunto de ações planejadas, que promove a aproximação ou a reaproximação de leitores com livros. Quem realiza tais ações é o(a) mediador(a) de leitura. Mediador(a) é quem se coloca entre livro e leitor(a) como ponte. Nossa proposta de mediação compreende:
* Seleção de material de leitura compatível com a faixa etária. A partir desse critério, outros se estabelecem. Nossos critérios são: qualidade literária/estética; diversidade/representatividade – em relação a autoria e a personagens; presença de obras clássicas e de lançamentos; temáticas que gerem reflexão sobre si mesmo e sobre alteridade, sobre questões pessoais e coletivas.
* Estratégias de leitura. Nossa estratégia contempla três momentos: pré-leitura, leitura e pós leitura. Antes da leitura, a curiosidade pela obra/pelo tema será instigada de forma lúdica, de diferentes maneiras. Depois disso, vem o momento da leitura compartilhada/dialogada. A leitura compartilhada é uma das formas mais eficientes de cativar leitores(as): todo mundo gosta de ouvir histórias – até quem ainda não sabe que gosta. Durante a leitura (texto e ilustração), vamos acolher as falas/impressões de cada ouvinte, mas também vamos provocar diálogos nos momentos em que a obra se abre a reflexões profundas. Na pós-leitura, iremos propor atividades que estimulem que cada participante se aproprie da história e a recrie em diferentes linguagens. Essas produções serão compartilhadas em forma de sarau ou exposição, de acordo com o desejo e dinâmica de cada turma.
* Explorar as particularidades da leitura literária em grupo. A leitura literária exige do leitor(a) a busca pelas informações ocultas na entrelinha. Quem aprende a ler a entrelinha dos livros, leva essa atitude para a vida: vai se ler, ler as pessoas de sua relação, ler as notícias, os filmes, os lugares, a natureza – em profundidade. Formar um leitor(a) é formar alguém que vai procurar a entrelinha de tudo. A leitura literária realizada em grupo é uma experiência diferente da leitura solitária. Diante de um livro, cada leitor(a) preenche o sentido da história a partir de experiências pessoais e de sua visão de mundo. Por conta disso, nas rodas de conversa de leituras realizadas em grupo, cada livro se multiplica em vários livros. Cada livro aumenta muito seu sentido. Durante as conversas, a turma vai se vinculando de forma única: se conhecendo, exercitando a escuta e a fala e construindo uma interpretação coletiva do texto. A escritora e ativista bell hooks (nome artístico escrito inteiramente em letras minúsculas) diz que os momentos de leitura criam nos grupos o espírito de uma comunidade (3).
Refeita a trajetória de construção da oficina e a descrição de seus momentos, deixamos um convite para todos e todas que quiserem viver, no turno inverso, a literatura nesse espirito dinâmico de diversão e coletividade.
(1) Cristine Zancani é Doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS. No mestrado, dedicou-se à pesquisa sobre literatura infantojuvenil, enquanto atuava em um projeto de formação de leitores literários na periferia. No doutorado, sistematizou sua experiência de 10 anos de atuação nesse projeto, refletindo sobre a formação de mediadores de leitura para formar leitores. Atualmente, ministra cursos sobre literatura infantojuvenil, realiza trabalhos para editoras e segue atuando em projetos de formação de leitores e de mediadores de leitura.
(2) Fernanda Lantz é Pedagoga Especial, Psicopedagoga e arte terapeuta. Trabalhou com contação de histórias e oficinas em diversos projetos comunitários. Nos últimos anos, atuou na biblioteca de uma escola municipal, como professora/mediadora de leitura. Trabalha no atendimento educacional especializado (AEE) da Escola Projeto, atende na clínica psicopedagógica, realiza trabalhos para editoras e projetos culturais.
(3) HOOKS, bell. Ensinando o pensamento crítico: sabedoria prática. São Paulo: Elefante, 2020.