Ana Carolina Rysdyk da Silva (*)
O mito Guarani da Terra sem Males fala sobre o caminhar. “Caminhar é aprender, é plantar (…) é a definição de uma caminhada ou caminhar numa bonita estrada, no costume de plantar, no costume da opy (**), no modo de aprender”, diz o cacique Guarani, Cirilo Mburuvixá Tenondé, no documentário “Terra sem Males”, pelo projeto Identidades Brasilis, do Sesc Paraty.
É a busca da população Guarani a um lugar de felicidade, de fertilidade, de imortalidade. Um lugar sem fome, sem guerra, que se tornou símbolo da retomada de terras e da resistência dos Guarani à chegada violenta dos colonizadores.
A história do Povo Guarani está longe de ser a versão contada pelo colonizador. Este ano aqui na escola, tivemos a oportunidade de viver um dia na Aldeia Anhetenguá, conversando com o cacique e nos aproximando um pouco do tanto de coisas que temos que aprender ainda, com os descendentes dos povos originários. No 5º ano, lemos textos, vimos documentários de diversas fontes, para conseguir entender, também a partir do olhar dos Guarani, o que aconteceu na história do nosso estado, do Brasil e do mundo, até os dias de hoje.
As Missões Jesuíticas fazem parte da história e, como toda história, tem vários pontos de vista. Visitar a redução é parte de um estudo profundo – desde os primeiros habitantes no Rio Grande do Sul, que aqui já viviam há 12 mil anos atrás -, que não acaba com essa visita. A ida até São Miguel mobiliza as turmas de 5º ano, por muitos motivos. Dentre eles, estar em um dos locais que mudou radicalmente a vida dos indígenas no Brasil e na América Latina, e também o fato de as crianças viajarem com a escola, sem as famílias, algumas dormindo tão longe de casa pela primeira vez.
Todos os anos organizamos minuciosamente um cronograma para arrumar malas, pensar no cuidado e postura durante a viagem e, principalmente, sobre como se referir e interagir com os indígenas de lá.
O resultado desse empenho e planejamento foi, neste ano, como sempre, uma viagem linda e cheia de significados, com aprendizados para levarmos para toda a vida. Alguns combinados não precisaram ser lembrados pelos(as) adultos(as) que acompanharam, porque as próprias crianças fizeram as retomadas, ora sobre como se organizar nos quartos e no restaurante, ora sobre o tipo de brincadeira possível para ocupar os diferentes espaços.
Dentro das ruínas da catedral, diante daquela imensa edificação feita pelos Guarani, e, passeando pela redução, foi possível perceber o quanto o trabalho de decolonização, que foi e está sendo construído diariamente aqui na escola, está presente nas falas das crianças. Nos questionamentos e comentários ele aparecia o tempo todo, a partir de ideias com as quais mostravam apropriação significativa. Por exemplo, sobre o fato de que sempre foi o povo Guarani o protagonista dessa história, de que as terras do Rio Grande do Sul pertencem, originalmente, aos povos indígenas, de que as mulheres devem ter os mesmos direitos dos homens, muito diferente do que foi repassado pelos padres jesuítas e, ainda, de que nós devemos, sempre, respeitar a história que o povo Guarani carrega e leva consigo, em busca da Terra Sem Males.
Nossas prioridades numa visita a uma terra sagrada, que tem uma história tão sofrida, seguem sendo: respeitar, ouvir, sentir, observar, caminhar. Não necessariamente nessa ordem.
(*) Professora do 5º ano na Escola Projeto.
(**) Casa de reza dos Guarani.